sábado, 30 de janeiro de 2016

Crónica │Uma hotelaria em forma tentada

Pode-se dizer que a única forma com que me drogo, depois de largar a “chupeta” de cerveja há dois anos, é somar distâncias. Alguém diria: e amor não se faz? Então não conta? Conta, é certo, mas é noutra categoria, do que não pode ser contado, pelo menos não como droga, de tão elementar, fisiologicamente falando. Para ser droga, teria pois de ter outra opção. E neste quesito a humanidade ainda não achou concorrência à altura.

Pois, continuando. Os dias de ócio são uma tentação para fazer “reset” ao tempo de vida, viajando. E mais ainda nesta época de chuvas, de verdejantes paisagens… sabe tão bem sair por Angola dentro, enfim vestir a vida de razões para continuar por cá… Com a folga a calhar ao sábado, mochila feita para uma noite na sede do município da Ganda, aproximadamente 200 km de Benguela, onde resido. Na verdade eram duas mochilas, uma para o computador e acessórios da máquina fotográfica, outra para o uniforme de serviço, pois só uma directa me safaria da falta ao serviço no domingo.

Já às seis e meia da manhã se tinha ido embora o sono. Há quem lhe chame tensão pré-viagem. Asseguro apenas que não seria a primeira vez, talvez nem a última em iguais circunstâncias. Bom, escusado será falar da higiene matinal. A passagem pelo café faz-se rápido, mais umas águas e refrigerantes para a jornada. Ah, música? Bebe-se bem, obrigado, de preferência variada. O pote chama-se Pendrive MP3.

Toma conta de mim a estrada nacional 260 às oito da matina. Com alguns solavancos pelo meio, o bom dia Ganda é às dez e meia. Travão de mão. O Hotel é homónimo à vila. Não se fazem reservas em antecipação. Ao primeiro contacto, nenhuma alma ao balcão que parece ser a recepção, desculpa, não parece, é.

Sim, bom dia! Ah, bom dia. Vocês têm quartos disponíveis? Sim, solteiro dez mil, casal doze. Pela diária, mediana no padrão do sector, a expectativa é grande. Ok, queria ver os dois para poder escolher. O senhor quer dois quartos? Não, queria ter ideia das condições antes de optar. Está bem. MANA FULANA! DÁ AINDA A CHAVE! Pode vir. E ainda a meio dos degraus para o primeiro andar: como é a questão da energia? Mas aqui, a energia é mesmo geral. Vem às dezoito, vai às zero. Ah, sim? Então não há uma fonte alternativa? Tem o gerador, mas só ligam de manhã por uns minutos, que é para as pessoas tomarem banho. Neste caso, o dia todo é sem energia? É isso.

Faz-se escuro no corredor, enquanto não se abrem as portas da varanda dos quartos. É um escuro incompleto, valha-nos a verdade, não fosse o heroico papel da lanterna do telemóvel, algumas vezes apoiado entre os lábios. O hóspede, que por sorte ainda tem as mochilas por desfazer no porta-malas do carro, agradece a atenção e promete voltar dentro de instantes, para não sair mal na fotografia. Por acaso, o almoço come-se bem.

Até percebo que se esmerem para a hospedagem aproximar-se ao ambiente de casa. Só que talvez se tenha levado a originalidade ao excesso nisso de servir aos apagões. Por fim, temos um HG com nome, configuração e diária de hotel. Mas sem o básico pressuposto da era industrial, a electricidade… o exercício não passa de hotelaria em forma tentada.
Gociante Patissa. Ganda, 30 Janeiro 2016       www.angodebates.blogspot.com
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