domingo, 17 de janeiro de 2016

(arquivo) Opinião | A EDUCAÇÃO COMO COMÉRCIO E A IDEIA DE LAICIDADE

Conversávamos recentemente sobre o quadro actual dos agentes envolvidos no sector da educação em Angola, sobretudo nos últimos onze anos. E foi com alguma apreensão que abordamos o efeito inverso que pode vir a ter no futuro a entrada em cena, para não dizer proliferação, de cada vez mais colégios e igrejas.

O meu interlocutor e eu conhecemos minimamente o sector da educação formal. Enquanto representantes de organizações da sociedade civil até há pouco menos de seis anos, andamos envolvidos em advocacia social pela gratuitidade e obrigatoriedade do ensino público primário, conforme a Lei (13/01) de Bases do Sistema de Educação em vigor. A então “Coligação ensino Gratuito, Já!” teve como pano de fundo a melhoria da qualidade e o alcance das metas de Dakar de educação para todos até 2015.

Quanto a Dakar, têem razão de ser os argumentos optimistas de doutores estrategas da Reforma Educativa, por sua vez apologista da aceleração escolar para completar os indicadores relativos às taxas de aprovação. Os doutores acham que é assim mesmo o desenvolvimento, mas pelo contrário, nós, os leigos, não podemos fingir que não andamos preocupados com o que se assiste em prejuízo da competência, havendo estudantes universitários que chegam a especializar-se em linguística sem saber sequer a diferença entre o predicado e o complemento no contexto de uma oração.


É senso comum dizer-se que 70% da população angolana é cristã. Depreende-se dali que a igreja não pode estar à margem dos problemas da sociedade e é esperada a dar o seu contributo, enquanto parceira de quem gere o Estado, o governo. Pouco há para questionar quanto a isso ao longo da história da Angola pré e pós-independência. São incontáveis as personalidades formadas em missões, católica, evangélica ou metodista.

Excepto a igreja católica, que manteve no Seminário a formação de sacerdotes (do ensino médio ao bacharelato), as demais ocuparam-se a promover aulas de alfabetização (entenda-se ensino de adultos) e/ou ceder espaços para salas anexas da escola pública mais próxima. Os operadores privados ganharam expressão a partir de 1992, com a adopção do regime democrático e a liberdade de mercado. Era o fim do «Estado providência», característico do comunismo/socialismo que marcou a primeira República, saída da independência de Portugal em 1975. 

Este período marca também o início do declínio da qualidade de ensino em termos do perfil de saída. O país, até então suportado por técnicos médios (na saúde, educação, indústria, entre outros sectores), começa a colocar no mercado quadros com o mesmo escalão, entretanto com muito pouca esperança de continuidade, tal é o fosso entre a aparência e a consistência. Enquanto isso, os mais abastados (ou pelo menos aqueles abrangidos pela sorte de uma bolsa) não perdem tempo, enviam os seus para formação no exterior. Ou, o que vai dar no mesmo, matriculam-nos no ensino particular de padrão mais elevado, entre colégios de gestão angolana e escolas do tipo "embaixadas", como a portuguesa e a francesa em Luanda.

Alguns teóricos defendem que a educação, a saúde e a cultura cabem no «papel director do Estado», onde o governo planifica, financia e controla. Mas, basta olharmos para as estatísticas de alunos fora do sistema de educação a cada ano escolar para percebermos que, tal como o Estado não pode empregar toda a força produtiva, também é irrealista garantir educação para todos, num país com mais de 16 milhões de habitantes.

A dicotomia «poucas vagas na escola pública versus pouco dinheiro para propina nos colégios do centro da cidade» fez surgir, como dizem os políticos, uma terceira via, os colégios da periferia (e não só), alguns em instalações precárias e com a legalização por completar. Há menos de quatro anos, no Lobito, um número considerável de pais e encarregados viu-se revoltado quando o colégio de seus filhos foi encerrado por operar ilegalmente. Tantos anos de escolaridade e propinas pagas para… nada!

Enquanto isso, a inspecção escolar enfrenta os seus desafios. Em 2006, por exemplo, a província de Benguela tinha seis inspectores para cobrir nove municípios. Há informações de igrejas que substituem educação moral e cívica pela bíblia. Como garantir que os sectores privado e público ensinem a mesma coisa na mesma classe?

Quem parece não querer ficar de fora são os templos, quase não se importando em engolir o pátio, que tanto bem faria às crianças. Abrir um colégio permite arrecadar, ora com as propinas, ora com a venda de uniforme. Será a falência do altruísmo?

Gociante Patissa, Benguea 17 Janeiro 2013
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