quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Crónica | Um cacusso sem alternativas?


Gosto de ver na TPA (por opção, não uso parabólica) a faceta da diversificação da nossa economia que tem que ver com o investimento e consequentemente resultados à vista na criação de peixe continental, concretamente a tilápia, entre nós o cacusso.

Os termos é que – confesso – de quando em vez me baralham assim um bocado. É que se num noticiário gravo já assim no meu dicionário mental "aquicultura" e coiso e tal, dia seguinte vem outro técnico (cheio de know-how na boca) dizer que é "larvicultura". Só que quando penso já que esses dois termos um gajo até atura, aí levo com a "piscicultura", quer dizer, é começar de zero a caprichar no léxico.

Mas, pronto... isso também não é bem a questão, até porque, à mesa, o único dicionário que conta são mesmo só os olhos, não é verdade? Ora, tem bom aspecto? Cheira bem? Vai uma dentada, e tudo já é comunhão e quê e tal!

 O que de qualquer modo preocupa é notar que só se fala de cacusso. Então se, até na cama, a pessoa varia a posição de dormir um dia é pelo lado direito do tronco, outro dia pelo esquerdo, amanhã de barriga para baixo e quando se está frustrado damos uma de decúbito como é que não se fala em outra espécie de peixe para aqueles dias em que o cacusso nos lembra a cara do patrão em lua de má disposição?

Por acaso até, de peixes de água doce, para além dos que apanhava no poço da lavra da minha mãe quando a vala da açucareira transbordasse, os do rio que conheço são poucos. Também só os conheço pelos nomes na língua materna. Neste caso, materna para mim e para os próprios peixes porque, se falassem, uma vez que os conheci no kimbo, então teriam de o fazer na língua de cujo barro comiam, o Umbundu.

Assim sendo, temos o "eponde", que no Monte Belo abundava debaixo da ponte, e "ongungi", que na Katombela aprendi que era bagre. Os nossos irmãos do Leste têm "kakeya" ou tuqueia, não sei ao certo se é (ou não) a mesma coisa.

E não é que nos mova algo contra o cacusso, com o qual aliás tenho uma ligação histórica. Para não dar muitas voltas, diria que os irmãos do Norte é que sempre o viram como luxo. No Lobito, onde cheguei em 1985, o “cipulu”  [t∫i-pu-lu], como se lhe conhece pelo empréstimo Umbundu, era de um valor abaixo da sardinha. Então porquê?

É peixe dos mangais, aonde as águas negras de muitos ainda hoje desembocam. O preconceito viria a terminar entre 1993-95, altura em que abundavam corpos caídos, quais pétalas secas pela calçada. O assassino em série? Penúria pós-eleitoral. Como diria o outro, urgia alimentar a ilusão de se alimentar. Com os professores em greve, caminhava eu seis quilómetros/dia para ir ter com um amigo estivador no Caminho-de-Ferro de Benguela. De repente, o cacusso já era o peixe mais saboroso do mundo. O mundo era o fim das nossas esperanças. A humanidade só vai por conveniência mesmo!

Enfim, ao governo e parceiros, desejamos toda a força. De pesca, este cidadão não "pesca" nada, é verdade. Mas, excelências, nessa vida que já nos acostumou ela mesma a ser uma variável, vamos produzir só mesmo já assim um cacusso, sem alternativas?

Gociante Patissa. Benguela, 9 Setembro 2015
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