quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Diário | A propósito de "pakulamento", um enquadramento etimológico algo forçado

Chegou ao meu conhecimento que determinado compatriota nosso, em Luanda, ofereceu aos seus leitores uma origem etimológica de "pakulamento", termo usado para descrever a prática deliberada de clarear a pele, a "mulatização" para muitos, que volta à baila na sequência da adesão e publicitação que está a ganhar entre artistas (intelectuamente ocos e na sua maioria do piorio que o nosso mercado musical viu nascer), mas também entre líderes religiosos e políticos.
Segundo a "notificação", o citado compatriota (de cuja competência/desempenho na língua Umbundu em princípio não fazemos ideia) defende que o calão "pakulamento" vem do Umbundu, do verbo "okupakula", que no seu dicionário mental significa "clarear". É possível que seja mas... até onde vai o nosso conhecimento, o verbo "okupakula", também ele polissémico e com presença na bíblia, tem dois sentidos, sendo um deles pestanejar e o outro delatar/trair. A sua aplicação mais universal tem que ver com a parábola de Judas que traiu Jesus, que em Umbundu é "Yuda wapakula Yesu". Eu, que por acaso tenho andando pelas mais recôditas aldeolas da então "nação ovimbundu" (Benguela, Huambo, Bié), não vi tais práticas de clarear a pele, o que implicaria a relevância de os falantes do Umbundu arranjarem um termo para tal. Já pela fronteira com os Congos é que se nota frequente o uso do que é vulgarmente conhecido como "mekako", cujo significado desconheço. Por exemplo, para quem passou a infância a assistir aos treinos da Académica do Lobito e com isso conviver com os atletas de futebol, os que "se pintavam" eram "langas" (termo depreciativo para os da RDC). A não ser que no tempo de Judas e Jesus já houvesse necessidade de clarear a pele para "cantar melhor", parece-nos a nós que uma afirmação no sentido de "okupakula" ser significado de "clarear", só pode ser um enquadramento etimológico algo forçado. No mínimo, a estabelecer uma analogia, esta seria no sentido moral, onde clarear a pele para adoptar padrões estéticos de beleza (biologicamente impossíveis) representa trair a origem e a identidade de que se é parte, tese que aliás é a base da repulsa do grande povo. Resumindo, até provas em contrário, os ovimbundu não usam o verbo "okupakula" para o "pakulamento", ou se calhar até usam, mas só no Facebook mesmo.

Gociante Patissa, Katombela 20.08.15
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