domingo, 5 de outubro de 2014

«Gostava de ter um trabalho que me complicasse», Alberto Isaac| No dia dedicado à Rádio em Angola, trazemos do arquivo a história do “Mega” Isaac, um veterano na sonoplastia radiofónica


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O período da manhã é o mais agitado. Ainda assim, o “Mega” Isaac aceitou a conversa, com a tácita anuência da Redacção, na emissora dirigida pelo jornalista José Lopes de Almeida Júnior.
«Sonoplastia ou sonorização tem a ver com a preparação de programas, gravação de peças, ou seja, dar tratamento ao trabalho antes de ir ao ar. Operação tem a ver já com a emissão do sinal, com os mesmos cuidados», esclareceu. 
E quanto ao envolvimento com a rádio – disse –, «Era o meu sonho, antes de sair das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA). Mesmo no exército, já fui radista durante quatro anos». Não obstante o gosto, viria a desistir, por causa do peso do equipamento. «Era um Racal 921, de12 kg, e a pessoa tinha que o levar às costas».
A entrada para a rádio dá-se em Fevereiro de 1985, após formação como operador. «Fiz na Rádio Escola, naquela época dirigida por Mesquita Lemos, durante três meses. Depois vi que no Bié as coisas não corriam bem», conta, numa clara referência à instabilidade provocada pelo conflito armado entre as forças militares da Unita e o exército governamental. O que ele não sabia era que apenas 17 anos mais tarde a guerra entre angolanos terminaria definitivamente, isso em 2002. 

Foi transferido então, a seu pedido, tendo no início ficado na Rádio Lobito. «Só que Luanda despachou para a Emissora Provincial de Benguela. Fui recebido por Cabral Sande, o director, no dia 11 de Outubro de 1988. O chefe da secção era o Adriano Calenga, já falecido. Trabalhei como operador. Depois veio uma reestruturação, e logo que apresentei documentação, passei para a sonorização». 
A Rádio Benguela possuía já o mesmo tipo de equipamento, considerado de ponta, com que se ministravam as aulas no centro de formação em Luanda. «Isto é que provocou que a Rádio Nacional despachasse no sentido de eu não permanecer na Rádio Lobito, que ainda não tinha tais meios».
Em cada cinco de Outubro, a Rádio Nacional de Angola completa mais um aniversário. Alberto Isaac, quadro “esquecido” no sector privado, guarda boa recordação dos ex-colegas (ainda no activo) na Rádio Benguela, entre eles o Pilartes Congo, a Teresa Alberto, o Kim Conde e uma rapariga de quem se lembra apenas pelo sobrenome Jorge. 
«Saí dali por desavenças laborais. O ambiente não era salutar, claro, não com todos. Vim para a Rádio Morena, em 2000, no dia 22 de Abril. Conversei com Zé Manel, na ocasião o director, que me recebeu. Fiquei um tempo na operação, à semelhança do que aconteceu quando cheguei a Benguela, e só depois na sonorização». Ali reencontrou-se com Cabral Sande, já na condição de sócio-gerente.
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 VAMOS AO BATE-PAPO

A Voz do Olho (AV-O): Por que foi que escolheu destacar-se pelas máquinas e não pelo microfone?
Alberto Isaac (AI): Olha, eu pelo microfone já andei. Porque o Bié, na altura, tinha um sistema: o operador não se limitava a isso, também tinha que fazer o trabalho de reportagem. Então, nos dias de folga, o chefe de turno escalava um operador para estar de plantão, e na falha de um, fazer a reportagem, preparar o trabalho, colocar voz, e submeter ao editor.
AV-O: A sua profissão não estimula tanto a juventude, não?
(AI): O problema que existe na juventude é, talvez, o imediatismo. Esta área requer paciência, coragem, e sacrifício. A juventude hoje em dia não gosta de levar tempo para adquirir conhecimento, quer-se tudo numa questão de dois ou três meses, e quebra-se logo o espírito do que se deseja fazer.
AV-O: Sua referência de profissional de rádio quem é?
(AI): É o Fernando Manuel, do Bié, como profissional e pela forma de ser, e não apenas por me ter recebido em 1985. É gestor e ao mesmo tempo locutor e repórter.
AV-O: Sente-se realizado?
(AI): Não digo que me sinta realizado, ainda falta muito. Há muito que preciso e que não foi feito. Embora a idade ainda não permita, tenho sempre aquela esperança de aumentar a formação.
AV-O: Tem algum filho com vontade de seguir os passos do pai?
(AI): Sim, tenho dois. Um deles faz 18 anos em Novembro. E eu aconselharia que ele continuasse com este sonho, numa classe que, embora de muita turbulência, é uma boa profissão.
AV-O: Porquê a rádio e não outros órgãos? Já pensou em ir para a televisão, por exemplo?
(AI): Não, embora já tenha estagiado como colaborador na televisão um tempo, lá no Bié. Depois “despistei”, não tinha muita queda. Voltei para a rádio, embora a sonoplastia na televisão também seja simples. Gostava de ter um trabalho que me complicasse (risos).
AV-O: Dos aprendizes que passaram por suas mãos, há alguém que lhe impressione?
(AI): Sim, por exemplo um que hoje está na Rádio Mais, o Manuel Chandikua. Este rapaz sempre se dedicou, sempre gostei da forma dele, e acho que vai mais além.
AV-O: Às vezes, há a ideia de que a tecnologia é contrária às gerações mais antigas. Como se deu essa passagem da bobine para o computador, ou se quisermos, do analógico para o digital?
(AI): Acho que essa mudança de tecnologia é bem-vinda. Eu começo pelo sistema mais antigo ainda. Com as bobines, embora a qualidade seja boa, era um sistema lento. Passar para uma bobine, desta para uma outra, e tal. O novo sistema está melhor, embora nos dê também dores de cabeça com bloqueios, a insuficiência da capacidade de espaço e memória. Porque a maioria de computadores que aparecem é dessa linha branca, e não suporta. Nós temos um trabalho de muitos arquivos, muito pesado. É aí que temos encontrado dificuldades, mas ao longo do tempo superam-se.
AV-O: Há vozes que se levantam a dizer que o futuro da rádio está ameaçado, uma vez que as novas tecnologias de informação tendem a ser mais atractivas. Também acha isso?
(AI): Não. A rádio vai continuar, e ainda continuará inovando.
AV-O: Quais são os segredos de sucesso para um sonorizador ou operador, técnicos de som?
(AI): (risos) Isso não vale a pena explicar agora, (risos) porque isso tem muito segredo, (risos) e não só. São segredos profissionais.
“BILHETE DE IDENTIDADE”

Nome: Alberto Isaac Jamba Kanoma. “Mega” veio de indicativo de rádio, no tempo dos walkie talkie.
Idade: 45 anos
Local de nascimento: município da Nharêa, província do Bié
Estado civil: casado
Filhos: sete
Onde encontra mais prazer, na operação ou na sonorização: Pelo tempo que estou nisto, tudo me apraz, Às vezes até a área eléctrica.
Momento mais alto da carreira: é melhor deixar para depois (risos).
Viagens: Até agora só para dentro de Angola.
Em termos de conta bancária, está satisfeito? Ou seja, consegue viver do que ganha?: Suficiente não digo, mas temos de nos alegrar com o que temos.
Tem casa própria? - Sim.
Gostos musicais: Na americana, a suave. Na angolana, o semba. Admiro o Carlos Burity, Bonga e André Mingas. Se o tempo voltasse, os punha outra vez na juventude para darem a carga que merecem (risos).
Já se imaginou a gerir uma rádio?  Eu gosto mesmo é da técnica e continuar com aquilo que sou.
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Entrevista conduzida por Gociante Patissa e publicada no Boletim "A Voz do Olho" (de que é editor e co-fundador), edição de Setembro-Outubro de 2010, veículo informativo, educativo e cultural dos Amigos da AJS-Associação Juvenil para a Solidariedade, ONG angolana com sede no Lobito, província de Benguela
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