sábado, 28 de junho de 2014

Por aí, por aí

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Diário: A BABA DA PROF

"A minha filha estuda terceira e está uma viva do cara***. Ela entra no whatsup e te vasculha aquilo que... não acreditas! A professora até, quando fala dela, baba!"
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Diário: À MESA DE BAR DE OLHOS PARA O MUSSULO

"Há casamentos e casamentos. O da fulana não pode ser considerado de sonhos, porque não é ela que paga. Eu sou muito justo. Em termos de luxo, ainda não vi casamento onde houvesse tudo o que no meu houve. Aquilo era almoço, jantar e por aí fora. Os convidados foram-se depois da meia-noite porque quiseram; podiam comer e beber até de manhã, e tudo pago!"
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O PORTUGUÊS TEM DE DIALOGAR! - A convite do Semanário Angolense, na pessoa do seu director, contribuí com um artigo na edição que assinala os 800 anos da língua portuguesa

O PORTUGUÊS TEM DE DIALOGAR

Falar do futuro do português, o considerado quinto idioma mais popular no mundo, é evidentemente um assunto vasto. Enquanto recolector de tradição oral, interessa-me olhar para a realidade angolana e abraçar a vertente sociolinguística, visto o valor da língua como património cultural imaterial. A propósito, há quem defenda a existência de um tal português angolano. Temos? Sobre isso continuaremos mais adiante.

Não havendo grandes estudos oficiais no que se refere a políticas linguísticas na Angola independente, a partir dos quais teríamos indicadores para avaliar eventuais êxitos ou desvios na sua aplicação, resta assumir que qualquer exercício de previsibilidade do uso do português é ainda mais complexo. E já sabemos que nem valem a pena incursões ao passado, conhecendo como conhecemos a história da chegada da língua, que era até há bem pouco menos de 40 anos instrumento de aniquilação identitária dos povos das então colónias portuguesas, a coberto de uma tal expansão da civilização europeia.

Adoptado o português como idioma oficial, que é inquestionavelmente a língua materna de milhares de angolanos, a questão passa a ser a forma como esta dialoga com os demais idiomas de matriz africana, entre Bantu e não Bantu, nomeadamente o cokwe, fiote, helelo, khoisan, kikongo, kimbundu, ngangela, nhaneka-nkumbi, umbundu, oxindonga, oxiwambo, e o vátwa. E se o leitor nos permite problematizar um pouco sob o axioma de que cada língua veicula uma cultura, a questão seria: que cultura veicula a língua portuguesa numa sociedade multi-étnica e linguística? Bem, é em nome da cultura, que é por vocação um fruto da partilha, que teremos de evitar radicalismos e complexos, sejam eles de inferioridade ou de superioridade, pois as sociedades são dinâmicas e o fenómeno linguístico é inerente à interação dos povos.

Quando falamos do diálogo que deve existir entre as línguas, é tendo precisamente em conta o cuidado necessário para que o status dado a uma língua, que geralmente corresponde a determinado grupo social, não represente a subjugação de outros. Em tempos, um notável intelectual desabafava pelo que interpretava como sendo um sinal da subalternização institucional das nossas línguas nacionais. Não lhe pareceria, pois, razoável a prática de haver sempre um tradutor para estrangeiros que falem à imprensa ou ao parlamento e, entretanto, quando chega a vez de anciãos e autoridades tradicionais, terem de o fazer num português em que por vezes mal se expressam e compreendem, com todo o desconforto que isso implica.

Como defendeu em 2003 a brasileira Eveli Sengafredo, na tese de pós-graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “a língua constitui-se das mesmas forças políticas, sociais e culturais que produziram as diversas civilizações e culturas do mundo. Ela ocupa uma crucial posição na interacção social, sendo um agente importantíssimo de transmissão de valores sociais e culturais”.

Já existe o português angolano? Há quem defenda que sim, mesmo até com base na linguagem literária que incorpora cada vez mais termos e expressões tipicamente do nosso linguajar, como por exemplo, “é maka grossa me apanhar a pata”. Mas isto basta para legitimar a existência de uma variante angolana? Como caracterizar a pronúncia padrão dos locutores noticiosos, o sotaque europeu? O certo é que o português angolano não existe, tão-só porque não se estabeleceu uma norma própria, oficial.

O futuro do português, quanto a mim, passa por assumir de maneira integradora o seu papel de língua oficial relativamente às outras de matriz africana. Impõe-se um rigoroso trabalho de estudos linguísticos e antropológicos, de modo a valorizar a correcta grafia da toponímia e a essência proverbial dos nomes africanos. Insistir-se na substituição forçosa do “K” pelo “C”, mesmo quando se trata de algo tão representativo como o rio Kwanza ou a província do Kwando-Kubango, pelo magro argumento das confusões por a língua oficial ser avessa às consoantes “K, W, Y”, tão comuns nas línguas Bantu, só vai atrair ainda mais recalcamentos. O português tem de dialogar!

Gociante Patissa, Luanda 25 Junho 2014 (licenciado em linguística, especialidade de inglês)
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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Diário: NÃO SE METE SÓ

"Ontem dormi mal, não sei se havia festa ou quê, estava muito alta a música?"
"Ah é? Eu por acaso ouvi assim de longe." 
"Já depois da meia-noite, tive de ligar para a recepção a reclamar. Umas duas vezes. Era na porta ao lado."
"Meu mano, aqui, você não se mete só. É terra de stress, cada um arranja variante para relaxar."
"E falavam alto pelo corredor. Ainda por cima, a música era uma só, que repetia o tempo todo."
"Ai, se fossem muitas músicas você não se incomodava?"
"Não seja por isso, eles preenchiam as pausas com aplausos e gritaria."
"Nesse caso, você não liga só. Arranja algodão e coloca no ouvido... e dorme"
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Fim de tarde

Mora-se longe, não distante, longe se fez a outra ponta de um mesmo lugar. Horas sobre rodas aleijam, onde um cágado era mais expedito. À procura de uma mentira... amanhã ao menos é diferente?
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terça-feira, 24 de junho de 2014

Diário

É uma hospedaria com condições de conforto pela mediana, apenas fora do seu tempo e meio, talvez. Lembra o mamão, espaçoso e terno por dentro, nulo por fora. Descampado e falidas pretensões de obra ao redor, escuridão e capim. A calçada, impecável esteira de betão, pode dar para tudo... e a agenda noticiosa é já ali. Mas há que ressaltar a postura a século vinte e dois da casa, trata todo o hóspede por Doutor!
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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Não deixe de ler na 59ª edição do Jornal Cultura, de 23/06/14, o ensaio Oratura: «ULONGA», A SAUDAÇÃO ENQUANTO INSTITUIÇÃO NA SOCIOLINGUÍSTICA UMBUNDU


Da casa de um primo seu fazendeiro no Dombe-Grande, o meu pai voltara com arranhões e o bolso da camisa rasgado. A saudade fora tão grande que, à chegada, partiu para um efusivo abraço, gesto que o cão de guarda tomou por agressão ao seu amo, acostumado à regra de se sentar primeiro e saudar depois. Assim é com os Va Cisanji.
Num universo marcado pela exiguidade bibliográfica na recolha da tradição oral, os rígidos preceitos científicos não são propriamente a nossa tenção. Não abdicamos é de contribuir com vivências, ainda que o façamos com a regularidade de um vaga-lume.
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domingo, 22 de junho de 2014

Trecho

"Eu sei o que isso é. A mulher vai aparecer outra vez nesta rua. Aí, então, ele atira-a para o quintal e fecha as portas. E dessa vez é a morte quem perde. Só que ele se engana um pouco num ponto: não é no muro alto a victória, é na vontade dele" (trecho do conto O Engenheiro, in FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA , livro de contos com grandes hipóteses de sair ainda este ano)
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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Citação

"O maior dos perigos do nosso tempo não é não haver respostas para os problemas; o maior perigo do nosso tempo é já não colocarmos as grandes perguntas" - Padre Anselmo Vieira, português, 69 anos, entrevista à RTP Internacional, 20 Junho 2014
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"Meu mano, mesmo um saldo, posso arranjar, mas não posso perder o voo."
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terça-feira, 17 de junho de 2014

Diário: O QUE TÊM OS ESCRITORES (AFRICANOS) DE MOÇAMBIQUE CONTRA A DIVULGAÇÃO VIA VÍDEO?

A minha nova etapa de pesquisa passa por descarregar do youtube vídeos de entrevistas (e documentários) a escritores. Depois de alguns nomes de Angola, Portugal, Brasil e Colômbia, dediquei horas no youtube na ânsia de ouvir algum escriba da Terra de Samora, com tudo de tradição oral e idiossincrasia africana que isso implica. Nada! Quer dizer, exceptuando uma reportagem de canal brasileiro a respeito de José Craveirinha em conjunto com alguns nomes de Cabo-verde.
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segunda-feira, 16 de junho de 2014

Lisboa, 2010

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E no parque da Chimalavera...

Cliente: Bom dia, companheiro. 
Guarda: Bom dia, bom dia!
Cliente: Isso está fechado ou quê? 
Guarda: A recepção e o restaurante fecham segunda, só abrem quarta-feira. Mas o parque é que está aberto. 
Cliente: E como é feita a exploração? 
Guarda: Paga-se mil kwanzas e vai.
Cliente: E o transporte? 
Guarda: Usa mesmo carro pessoal, o nosso neste momento saiu.
Cliente: Pois, mas o visitante não conhece isso. 
Guarda: Vai com um guia. É só que este teu carro não dá, é um pouco baixo.
Cliente: Então, quais são os dias em que a vossa viatura está disponível? 
Guarda: É mais aos fins-de-semana.
Cliente: Obrigado, bom trabalho. 
Guarda: Valeu, irmão.
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sábado, 14 de junho de 2014

Bijuteria

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Diário: AINDA O "PARASITISMO" NA RIBALTA MUSICAL ANGOLANA

Tony do Fumo Júnior foi alvo de crítica positiva do Semanário Angolense, num artigo do veterano jornalista Salas Neto, o director, na sequência de um reparo manifestado pelo veterano músico Prado Paim, estando na base a preguiça de jovens músicos que se agarram aos conteúdos de outro tempo para brilharem, às vezes, sem a elementar observância dos direitos autorais. Nas suas aparições, ressalta o redactor, o jovem nunca passa de interpretar temas do pai, quando era já altura de mostrar algo seu, original. Na minha condição de leitor, já não sei se o que é pior, se o show de Edy Tussa com o tema "monami", por exemplo, inserto no disco Picante, de Dias Rodrigues, ou se o rapaz agarrar-se a um repertório que é do próprio pai.
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Ombambi

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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Oratura: «ULONGA», A SAUDAÇÃO ENQUANTO INSTITUIÇÃO NA SOCIOLINGUÍSTICA UMBUNDU

curiosidade: a região é rica na cultura do abacaxi
Da casa de um primo seu fazendeiro no Dombe-Grande, o meu pai voltara com arranhões e o bolso da camisa rasgado. A saudade fora tão grande que, à chegada, partiu para um efusivo abraço, gesto que o cão de guarda tomou por agressão ao seu amo, acostumado à regra de se sentar primeiro e saudar depois. Assim é com os Va Cisanji.
Num universo marcado pela exiguidade bibliográfica na recolha da tradição oral, os rígidos preceitos científicos não são propriamente a nossa tenção. Não abdicamos é de contribuir com vivências, ainda que o façamos com a regularidade de um vaga-lume.
Tornando à cena do visitante agredido. Passa-se que tanto este como o anfitrião são de uma localidade culturalmente fronteiriça entre os municípios de Balombo e Bocoio, encaixada administrativamente no último. Dista cerca de 170 Km a nordeste da capital da província de Benguela, território com predominância da etnia Ovimbundu e que se comunica na língua Umbundu, representando 1/3 da população estatísticas avulsas e abrange as províncias do Kwanza-Sul, Benguela e Namibe (costa), Bié, Huambo e Huila (planalto centro e sul).
Segundo Fernandes & Ntondo (2002), referidos em Kavaya[1] (2006: 54), formam o grupo os va Viye, Mbalundu, Sele, Sumbi, Mbwei, Vatchisandji, Lumbu, Vandombe, Vahanya, Vanganda, Vatchiyaka, Wambu, Sambu, Kakonda, Tchicuma, o maior etnolinguístico angolano (acima de 4.500.000 pessoas). Quanto à etimologia, Arjago[2] (2002: 23) sugere que foram apelidados, “pelos povos encontrados, de vakwambundu, o que significa gente vinda das zonas de nevoeiro, tratando-se do litoral”.
Nestes subgrupos, cada encontro, por simples que seja, representa provavelmente uma oportunidade de inventariar a vida, sem preocupações relativas à economia do tempo. «Okwimbwisa ulonga», fazer a saudação, é um longo relato da situação familiar e introduzir o motivo do encontro, desde o último contacto, cobrindo depois o social, o económico e o político. A linguagem é coloquial e inevitavelmente proverbial. Como veremos adiante, entre os Va Cisanji, a «ulonga» é ainda mais minuciosa. Podemos concluir esta fase generalista com a certeza de que é ao bem-estar que se aponta.
Do Bocoio, a minúcia da «ulonga» é norma nas demais quatro comunas: Monte-Belo, originalmente Utwe Wombwa (cabeça de cão), Chila (de Ocila, palco, pista), Cubal-do-Lumbo (de Kuvale Kwelumbu, Cubal Mágico) e Passe (Epasi). O chefe do lar é o interlocutor exclusivo. Nos meios mais conservadores, acomoda-se o hóspede sem diálogo quase nenhum, enquanto alguém vai buscar o interlocutor. Na impossibilidade, é substituído pela esposa e, na ausência desta, pelo descendente mais-velho. É sempre o mais-novo (inferior hierárquico por idade, grau de parentesco, cargo) quem começa a contar o estado de saúde, sendo facultativa a pergunta. Se o mais-velho começa a explicar, é sinal para o inferior distraído o interromper.
Eis algumas passagens de diversas «ulonga». (a) Dialéctica: “Etu vo, mumosi haimo. Tulinga tuti vamwe vatokota, vamwe vapola. Apa mbi omãlã omo vakulila, etu twakulu omo tukukila” (Connosco é igual. Uns quentes/doentes, outros frios/com saúde. Se calhar é o jeito de nós, os mais velhos, envelhecermos e os mais novos crescerem); (b) Fome: “Twalale, omo mwenle apa omo… Etaili, okulikwata komenlã, oco okusuyako” (A noite passou-se, enfim… Hoje, levar a mão à boca, só se for para coçá-la); (c) Insegurança: “Wangombe, apamba lilu” (ao jeito do boi, os chifres em riste); (d) Aflição: “Wambwa, kwatwim kuliwa” (ao jeito do cão, as orelhas sendo roídas).
Resumindo, «Okwimbwisa ulonga», a saudação a preceito, é uma instituição entre os Ovimbundu, constituindo na tribo Ocisanji uma afronta ser questionado pelo mais-novo sobre o estado de saúde, e como tal choque de cultura na interacção até com povos vizinhos.
Gociante Patissa, Benguela, 11 de Junho de 2014



[1] KAVAYA, M. 2006. EDUCAÇÃO, CULTURA E CULTURA DO ‘AMÉM’: Diálogos do Ondjango com Freire em Ganda,/ Benguela, ANGOLA. Rio Sul, Brasil: Pelotas.
[2] ARJAGO. 2002. OS SOBAS: Apontamentos Étno-linguísticos Sobre os Ovimbundu de Benguela. Edição do autor.
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terça-feira, 10 de junho de 2014

Diário: UM PEQUENO PUNIDOR

No calçadão da praia morena onde aguardo pela ligação da estação de serviço, estou sentado um pouco distante de dois jovens, mas próximo o suficiente para captar o que dizem. Um, que aparenta ter 22 anos, sacou dessas pastas de computador a sua pequena Bíblia. O outro, um pouquinho mais novo, é zungueiro de CD pirateados. O primeiro fala mais, é pregador. O segundo está o tempo todo de braços cruzados, preenchendo de vez em quando as propositadas lacunas do pregador. Este, por sua vez, tem uma criteriosa selecção de versículos, os quais apresenta num tom de "já devias saber". O zungueiro olha agora para o relógio do telemóvel, olha para o lado mas permanece sentado. Faz agora alguns apontamentos, cuidando o pregador de falar dos que têm olhos mas não vêem, têm ouvidos mas não ouvem, etc. Ah, e para que não restem dúvidas, questiona em que parte da Bíblia está escrito isso de adorar estátuas e bonecos. Claro que não está, remata o pregador, é perder tempo pedir ainda através da mãe Maria... Jesus basta! Tudo indica que o jovem foi preparado numa oratória punitiva.
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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Crónica: AS PARTIDAS DO ELISEU

A pior das partidas que nos pode alguém chegado pregar é, certamente, partir.

Eliseu Mondi Pedro Figueiredo confunde-se com a língua inglesa, à qual viria a dedicar duas décadas de auto-didactismo, chegando a dar aulas no terceiro nível dos Bambus na Catumbela, onde residia, e mais tarde no católico Instituto de Ciências Religiosas de Angola (ICRA), no bairro da Caponte, Lobito, onde veio a residir. O extrovertido, criativo e brincalhão Mr. Elisha (pronunciado /elitsha/) abraçou o inglês por influência do irmão mais velho, dos poucos tradutores benguelenses no contexto de emergência, resultante do fracasso eleitoral de 1992, a época dourada da ONU e demais agências internacionais de caridade.

Já na sexta classe, dava o Eliseu nas vistas pelo vício das contagens em voz alta, qual récita a Shakespeare, pelos corredores da escola Comandante Dangereux, na Catumbela. E pregava bwé de partidas aos colegas, eles que mal sabiam o que era o verbo “To Be”. De sorte que quando o conheci na sétima classe, onde começava o ensino de inglês antes de surgir essa coisa chamada de reforma educativa, foi com o inevitável receio de lidar com ele, pois era reinante o espírito de competição entre os falantes. A empatia foi à primeira vista!

De carteira acabamos sendo colegas até ao primeiro ano do ensino médio, optando pelo curso de ciências sociais no Centro Pré-Universitário (PUNIV) do Lobito. O Eliseu pregaria outra partida a professores e alunos com uma suposta habilidade em conjugar o “To Be” na língua Umbundu, quando na verdade dizia o verbo defecar. E ria-se, para o meu desgosto.

Estamos em 1996 e eu, que gozava já de certa notoriedade mediática por colaborar num programa infanto-juvenil da TPA, não via como continuar os estudos. Como se não bastasse andar de ténis com a sola gasta ao ponto de o polegar beijar o chão, impunha-me o professor Barros um ultimato; não tolerava o bloco de facturas para os apontamentos do seu sagrado português. Só podia ser indisciplina, acreditava ele. Por seu turno, o professor Kupuiya, com quem me havia incompatibilizado pela imaturidade com que o corrigia em plena aula, decidira ser pai; isentou-me de pagar as folhas de prova de inglês. Como compensação, eu partilhava com ele jornais e livritos que me chegavam por correspondência. Mas… e as outras provas? Eram dez disciplinas, e o Eliseu decidiu custeá-las. Custeava de vez em quando um lanche na cantina da professora Belinha. Ofertou-me também uma camisola.

Bem, depois de o agradecer no meu livro de estreia, Consulado do Vazio, entendi metê-lo num livro de crónicas que a União dos Escritores Angolanos tem em edição. «O contacto com os capacetes azuis era fruto proibido em certos quarteis. Recordo-me de quando o Eliseu viu o seu negócio retido no Hotel Términus. Mais conversa, menos conversa, prometeu-se subornar o guarda angolano, penhorando o Bilhete de Identidade. Parvo do guarda, já que ficava sempre mais fácil tratar outra via do documento».

Julgava-se no direito de arranjar um emprego que prestigiasse a minha vocação e aptidão. Há dois meses, falou-me da oportunidade numa promissora multinacional japonesa no Huambo como tradutor e assessor de comunicação. Fiquei à espera de mais dados. E o Eliseu foi hoje a enterrar, derrotado por um estado de saúde que há muito titubeava. Ninguém faz ideia dos últimos suspiros do homem. Espero que tenham sido sob um sonho com diálogos em inglês. Seja como for, Eliseu, não te perdoo essa partida de partires!

Gociante Patissa, Lobito 9 Junho 2014
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domingo, 8 de junho de 2014

Diário: BREVE PARAGEM À SOMBRA DE UMA ÁRVORE QUE NÃO SE IMAGINA MULEMBA

A vida, esse museu interactivo de incontáveis emoções, costuma ser de inquietações, também elas, incontáveis. Ora, se fosse só isso, bem podíamos considerar o sintoma como estando localizado. Sim, porque, agora que falamos de localizações, sendo binária a memória humana, como que a lapa às pedras, anda tudo agarrado ao tempo e ao lugar. Algumas localidades visitámo-las, quase sempre por lá termos mortos e vivos, quer humanos, quer fauna e flora paisagísticas. Entretanto, é no inverso, quando somos os visitados pelo lugar, que nos damos conta de andarmos com a indelével marca entranhada na pele. Geralmente é a saudade no comando, por um reencontro tão-só impossível ou pode-se dar o caso, não menos profundo, de a alma buscar proximidade com a identidade, afinal a humanidade mais não é que uma busca, às vezes cega, da noção de pertença. Mas incompreensível, como sabe a natureza ser, há quem com frequência volte a lugares que despertem em si principalmente a revolta. E eu venho à Baía Farta há por aí uma década. Não adianta, ela sabe onde estou.

 Gociante Patissa 08.06.14
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sábado, 7 de junho de 2014

Cozeduras

"Os livros saem sempre com grande atraso entre a altura em que termina a escrita e a chegada ao público, geralmente um a dois anos". António Lobo Antunes, escritor português, ao canal Sic Notícias, 2013

PS: E calha, acrescento eu, que as demoras se cruzam e, por exemplo, três editoras diferentes colocam no mercado ao mesmo tempo obras de um mesmo autor ou autora, embora uma tivesse sido aprovada em 2012, outra em 2013 e a terceira ficado pronta em 2011. Resultado, arrisca-se o escritor ou escritora a passar uma ideia de estar a publicar demais
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sexta-feira, 6 de junho de 2014

Concurso relâmpago: QUER GANHAR UM EXEMPLAR DO LIVRO GUARDANAPO DE PAPEL?

Muito simples. Basta provar que você possui os três livros até agora lançados por Gociante Patissa, designadamente, Consulado do Vazio (poesia, KAT 2008) , A Última Ouvinte (contos, UEA 2010), e Não Tem Pernas o Tempo (novela, UEA 2010). Não tem os livros mas tem o Boletim "A Voz do Olho", de que o autor foi editor entre 2006-2010? Também vale. Junte então quatro edições e já está. Enquanto aguardamos pela chegada de exemplares para o acto de lançamento do livro Guardanapo de Papel (poesia, NósSomos 2014), você pode habilitar-se a ganhar o seu exemplar. Mbora tentar?! Obrigado

PS: Uma pista: O livro Consulado do Vazio está disponível na livraria Sucam, defronte ao Bar Ferreira. Já o Não Tem Pernas o Tempo está à venda na Tabacaria Grilo. Bem, com pelo menos dois, já podemos repensar a possibilidade de atribuição
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Retrato

"Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha mania de morrerem muito. Um dos mistérios dos lares famintos é falecerem tantos parentes e a família aumentar cada vez mais" - Mia Couto, in Contos do Nascer da Terra, pág. 13. Caminho, Portugal. 2009
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quinta-feira, 5 de junho de 2014

"NDA OMÕLÃ OLILILA OMOKO YOPUTO, OVE UYAVELA! [ECI YUTETA, EYE MWENLE]" (adágio Umbundu)

"NDA OMÕLÃ OLILILA OMOKO YOPUTO, OVE UYAVELA! [ECI YUTETA, EYE MWENLE]" (adágio Umbundu) - Se a criança chora por uma navalha, dá-lha. [Quando se ferir, terá sido por ela mesma]
Explicação: Se o orgulho impede a pessoa de ouvir conselhos, há que deixá-la com as suas escolhas. O arrependimento vem mais tarde com as consequências.
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Tese

"Eu entrei para o periodismo [jornalismo] porque eu considerava que o assunto não era de literatura, o assunto era contar coisas. E que, dentro desta concepção, o periodismo, há que considerá-lo como um género literário (...) Nenhum periodista quer aceitar que a reportagem é um género literário e, inclusive no fundo de sua alma, o vêem com um certo menosprezo. E eu diria uma coisa: uma reportagem é um conto totalmente fundado na realidade, como o conto tem imagens da realidade na ficção. Nenhuma ficção é totalmente inventada; sempre são elaborações da experiência" - Gabriel Garcia Marquez, escritor colombiano, documentário intitulado "La escrita embrujada". Disponível no youtube a 04.06.14
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quarta-feira, 4 de junho de 2014

citação

"No fundo, um livro não é mais que um delírio articulado, um delírio coerente. Tem que avançar implacavelmente" - António Lobo Antunes, escritor português, em entrevista ao canal Sic Notícias, 2013
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terça-feira, 3 de junho de 2014

Fragmentos

"Mas não se pode esquecer que, como sistema, o colonialismo era intrínseca e necessariamente racista (...) A maioria negra foi sempre profunda e estruturalmente discriminada, pois, se não o fosse, o colonialismo não teria condições para se manter (...) implica entender que o racismo é uma questão sistémica e não pessoal, pelo que o combate contra os fundamentos e os processos deste sistema e não contra as pessoas deve ser o foco do anti-racismo".

João Melo, in "O homem que não tira o palito da boca", pág. 42. Editorial Nzila, Luanda. 2009.
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domingo, 1 de junho de 2014

À MÃO MORENA DO CHÃO

Lá longe, bem longe
desfilam sonhos 
pintados
sobre a tábua côncava
uma vela difusa
a mesma vontade de chegar

Do lado de cá
colhe o chão 
a semente
lençol de asteriscos
oh casuarinas
o mar guarda o céu
as águas os encontros
estes a vida

Correm as horas
a mesa partida e chegada
para lá do sombreiro
amanhã é regresso
à mão deste chão


Gociante Patissa, 27 Março 2014 
Nota: Por gentil convite da TPA Benguela, dirigida pelo sempre afável Florêncio André, duas profissionais levaram-me à Praia Morena, enquanto cenário de entrevista para um programa em carteira. Um dos desafios da dupla Deolinda Catrongo (repórter) e Dezilda Neves (produtora) era rabiscar um poema de improviso para a emblemática praia. O título inicial era "Diário à Praia Morena", que agora substituí pelo actual, na sempre busca por imagens menos gastas.
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Diário: COMO SE O CABELO DEPENDESSE DA UNHA

Está entre nós o escritor fulano de tal, anunciava ontem o escritor anfitrião do recital, que de seguida acrescenta: chegou atrasado, mas chegou; obrigado por vires. Sentado na plateia, levanto as mãos em instintivo gesto socialista, como criança que marca presença na sala de aulas, auxiliado por breve sorriso. Pouco depois, aproxima-se um jovem sentado a poucos metros do meu lugar, mão estendida para o aperto que, entretanto, tem de esperar, pelo menos até eu poisar a máquina fotográfica. É o kota fulano? Sim, correspondendo, ciente de que ele próprio não acreditaria se lhe dissesse o contrário. Parabéns, meu kota, pelo teu livro! Até, se eu soubesse que vinha, ia trazer o livro para assinares. Não há problema, tranquilizo-o, outras oportunidades surgirão. Obrigado por gostares, concluo, com secreta vontade de ficar a conversa por ali, pois o papo paralelo distraía-me do principal, o recital e a trova. Foi então que quase não acreditei no que vinha a caminho: enquanto o kota não assinar, não vou acabar de ler o teu livro. Sorri e garanti que ficaria resolvido em breve. E tenho pensado cá comigo: à parte o facto de pertenceram ao mesmo corpo humano, o que tem o cabelo a ver com a unha? Em que medida condiciona um simples autógrafo à leitura de um livro? Bem, seja como for, aprendemos todos os dias com os nossos estimados leitores. Bom dia, bom domingo a todos e todas! 
Gociante Patissa, Benguela 01.06.14
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A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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