quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O editor que me perdoe pela inconfidência de partilhar trecho do conto FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS, um dos 13 que compõem o livro de contos com o mesmo nome, da teimosa pena de Gociante Patissa, previsto para sair ainda este ano por um projecto editorial a ser conhecido brevemente

"Ia na quinta morte, quando o tipo aportou a cidade. Sim, porque divórcio não é senão outra forma de morrer. Basta ver que, por lei, só divórcio e morte dissolvem a instituição universal chamada matrimónio. Mas não vou discorrer sobre a aura maniqueísta que envolve a morte mundana. Quero olhar para um outro aspecto da questão, apenas como o fim de uma vida e início de outra. Em certas existências, o divórcio, como a própria morte, no fim das contas, só peca por tardar.

Fátussengóla passava dos quarenta anos, que pareciam vinte e oito, de tão franzino. As únicas referências que transportava de outros lugares, observáveis como tal num primeiro contacto, eram os dados do bilhete de identidade. Nem uma palavra sobre o seu passado, muito menos aquelas fotografias na carteira de documentos (que tornam os humanos um pouco mais humanos longe de casa). Bem, tinha a companhia inseparável do seu rádio do tamanho de um tijolo que, de tão rijo, devia ter sido fabricado no antigo Bloco Soviético.

Uma vez formalizada a separação, vendia os haveres que lhe coubessem e se entregava à estrada, em busca de outro lugar para renascer, invariavelmente uma capital de província. O resto era estabelecer contactos, com o já previsível titubear de quem aprende a caminhar, se bem que em Benguela acabou logo bafejado pela sorte
(...)
Pouco falava de seus divórcios, talvez por lhe ter marcado a última relação, com a kambuta Rodé, tão dócil quanto rija, a quem acusa de violência literalmente doméstica. Certa vez, ela foi procura-lo ao bar em que ele se costumava esquecer de si próprio. Com insuspeita calma, acertou a cabeça do homem com panela de pressão. E saiu tal como chegou, calada e vagarosa nos passos." 

Aguarde.
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