terça-feira, 7 de agosto de 2012

Crónica: Uma vez mais, obrigado, senhor agente, é esse o polícia que queremos

Vinte e duas horas de uma húmida terça-feira de fim de cacimbo. Vou, lento, a conduzir em companhia de zouk antilhano, vindo da casa de minha kota (irmã mais velha), com mais um jantar “patado”. Bem, mas isso diz respeito à família somente, pelo que não caiu bem à partida o diálogo com o polícia de trânsito entre o aeroporto e o defunto Nosso Super:

“Boa noite, chefe”.
Do grupo de agentes naquele posto, saudou-me um que aparentava contar uns 45 aniversários, estatura média, ligeiramente menos pesado que eu.
“Boa noite, chefe”, correspondi.
“Vens de onde?”, lá prosseguiu o homem, sem saber que se tratava de uma segunda vez, em menos de dois meses, que um polícia cobrava detalhes da minha vida num país que não decretou estado de emergência. Mas como boa educação gera boa educação, sorri e colaborei:
“Venho de casa e vou para casa”…
“Como assim, vens de casa e vais para a casa?”

Procurei estacionar a viatura, prevendo já uma paragem relativamente demorada, o que era inevitável de inferir, tendo em conta a presença de várias outras viaturas sendo inspecionadas de focinho levantado.
“Venho da casa da minha irmã, fui jantar. Agora vou dormir”.
Ia-me preparando para localizar a pasta de documentos pessoais, que é o que vem logo a seguir à ordem de paragem, mas o polícia continuava sem cobrar pela papelada.
“Vens como? Passaste pela rotunda?”
“Sim, passei”.
“Não te mandaram parar?”
“Não. Vi-la polícias de trânsito, e por acaso achei estranho. Não é normal tanta polícia ali”.
“Bem, é assim, meu irmão, nós estamos a fazer um trabalho para localizar carros roubados. Leva algum tempo, mas precisamos confirmar o número do motor”.

Por algum instante, me perguntei se havia ladrões com espírito de “alfarrabista”, pois o meu “rabo de pato”, com quase duas décadas de fabrico e três anos de Angola, não seria tão roubável assim. Mas foi só olhar bem à volta para perceber que se inspecionavam veículos bem menos roubáveis que o meu, inclusive um de volante à direita que me fez lembrar de certo velhito Subaru com que andamos na má vida em 2006 na Namíbia. Sem dúvidas, tal como os gostos em carros não se discutem, há ladrões para todos. O resto eu já sei, nas aparentes impertinências do polícia podem morar estratégias pela minha própria segurança.
“Sim, claro. Deixa-me encostar bem então. Não tenho nada a esconder”.
O polícia aproximou-se um pouquinho mais, e disse:
“Pode seguir. Feliz noite”.
“Obrigado, bom trabalho”.

Arranquei e perdi-me na escuridão poeirenta dos bairros emergentes a sul do Aeroporto 17 de Setembro, sem ter chegado a mostrar o motor, sem ter sido tratado com desrespeito. Uma vez mais, obrigado, senhor agente, é esse o polícia que queremos.

Gociante Patissa, Benguela 7 agosto 2012 
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1 Deixe o seu comentário:

Manuel Luis disse...

Tenho encontrado policias muito educados e até desempenhando bons psicólogos, é destes que eu gosto.
São o garante da nossa segurança.

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