terça-feira, 16 de novembro de 2010

Crónica: "O que devem os cidadãos pedir (ou não) à polícia?”

“A polícia devia ainda esquecer um pouco os direitos humanos. Em qualquer parte do mundo, a polícia é repressiva”, advogou um cidadão, ao espaço “opinião” da Rádio Benguela. Será?

Encontramo-nos, nas primeiras horas laborais de anteontem, com o comandante Kundi, cabeça da polícia de trânsito no município de Benguela. Em menos de 20 minutos, foi  agradável prosa no aeroporto da Catumbela, nós em serviço e ele “despachando” a família para Luanda.

Vivia-se a ressaca do fim-de-semana prolongado (quatro dias), pelo 35º aniversário da independência angolana, conquistada a 11 de Novembro de 1975. O assunto do dia era o rubro inventário dos acidentes rodoviários em todo o país, onde Benguela não passou incólume.

Passeamos pelas causas, onde se viu que fora das localidades as culpas são tripartidas entre a falta de iluminação, o excesso de velocidade e o pasto do gado, feito ao longo da via. Fresco ainda na memória está o acidente, algures entre Caimbambo e Chongorói, que vitimou o bispo católico da diocese do Namibe. Já dentro das localidades, viu-se, é recorrente a condução sob efeito de álcool, para além da imprudência no seu geral. Aliás, como sublinhou recentemente o inspector Pinto Caimbambo, os acidentes estão geralmente associados à transgressão. Partilhei a indignação referente ao encandeamento no troço nada iluminado Lobito-Benguela, que piora com a moda das luzes “chenon”, algo azuladas. Kundi, que tomou nota, sublinhou tratar-se de mais uma consequência da absorção de modas que não se adequam à nossa realidade, na medida em que aquele tipo de luzes é de uso especial por razões climatéricas nos seus países de origem.   

Construí a primeira impressão de Kundi no contexto do problema da filha de uma pessoa amiga. Na traquinice da adolescência, a rapariga e um jovem meteram-se na estrada em aula prática de condução de motorizada, sem licença nem capacete, tendo sido actuados por agente motoqueiro-chefe, às 17h00. Radical, o agente exigia cadeia para ambos e encaminhamento a julgamento sumário, nada menos que isso. O pai da menina, entre a vontade de aplicar um bom puxão de orelhas e o receio de prejuízo na escola, era de um semblante de meter dó. Por volta das 22h00, surgia o comandante que, inteirado do caso, se juntou à maioria de agentes que eram por um correctivo baseado na multa apenas pela transgressão, o que veio a acontecer.

No mesmo pátio estava um cidadão (utente de motorizada) detido por desacato. Pelos títulos “senhor, camarada, colega”, Kundi disse-lhe: “nós somos um mesmo corpo, a diferença é o ramo. Bombeiro, ordem pública ou anti-terror, somos uma só polícia. Custava dizer ao agente regulador de trânsito que também é colega?”. Ao visado só restou baixar a cara, de remorsos, ao que se seguiu um convite para conhecer os demais gabinetes da Unidade Operativa.

Voltando ao pedido do cidadão, que será que ele entende por direitos humanos? É pergunta de retórica, claro. Mas como o contexto da conversa era a irresponsabilidade de jovens e adolescentes na estrada como base de acidentes, não custa especular que ele veja a coisa pelo ângulo da “inimputabilidade”. Se é legítima a opinião, mais contraditória não podia soar, já que telefonar para a rádio é igualmente um direito humano, no caso à livre expressão. Queremos realmente carabineiros? Não basta a aplicação de punições, correctivos e responsabilizações previstos por lei, sendo os direitos e os deveres duas faces da mesma moeda?

Prefiro mil vezes polícias, como o comandante Kundi, que acham que “prender” alguém que se tenha esquecido dos documentos, ante a urgência de levar familiar ao hospital, é “excesso de zelo”. Obrigado, senhor agente, é este o polícia que queremos.

Gociante Patissa, 16 Novembro 2010
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