quinta-feira, 15 de julho de 2010

Crónica: Ministério “da educação” ou “do ensino”?

Parafraseando o nosso astro da música infantil, Pedrito do Bié, eu nasci no mato, depois vim viver na cidade. Então, tenho a educação do mato e tenho a da cidade. Mas, agora assim, o ensino fica como?

No “linguajar da vulgo”, como diria um velho companheiro, “educação” refere-se à transmissão de valores no lar, ao passo que chamamos “ensino” à instrução recebida no ambiente escolar. Os académicos, às vezes pedantemente, gostam de impor que num e noutro caso se trata de “educação”, ou seja, a “formal” e a “não formal”. Eu, que já não gosto de falar com sebentas à boca, fico mesmo pelo “linguajar da vulgo”.

Então é assim: moro já num anexo arrendado no quintal de uma família que partilha o muro com uma escola, né?, acho que vai da primária até 9ª Classe. Se fosse fontenário, teríamos água em fartura. É escusado dizer que, se fosse gerador eléctrico, era direito fazermos puxada (ou gato se preferir). Mas, essa vizinhança com a escola só nos traz prejuízos…! Ainda se for fim-de-semana é normal, mas de segunda à sexta?! Te pago se consegues sair da cama acima das sete da manhã. Épah, é que aqueles miúdos são cá de um barulho nos corredores da escola!!!

Eles "barulham” de tudo um pouco. Umas vezes cantam, outras dançam, isso, quando não batem palmas, que estalam como se viessem de tacos de madeira. E para completar a fotografia, vão umas estridentes gargalhadas. Uma “mbwanjaria” que… só vista! Mas então, não há medidas disciplinares?

Ainda há pouco, quando acabava de estacionar o carrito no parque, ouvi do outro lado da rua um “FILHO DA PUTA, Ó TREZEGUÉ!!!”. Era uma mocinha, a poucos passos da sala, querendo atingir um seu colega. O que se seguiu foram risadas de gente à volta, e pronto. Estamos aonde, afinal? Claro está que é uma amostra apenas de milhares de outras escolas por essa Angola.

Posso ser tão ingénuo, quanto a minha idade permite. Mas, enfim, não dá para esquecer a figura do Director Pedagógico (e dos próprios directores de turma) nas escolas por onde passei. Já não falo do Director, “autoridade” que só por “milagre” interagia com os estudantes amigavelmente.

Aos que virem nestas linhas apenas “conflito de gerações” deixo à vontade. Como, aliás, realçou um jornalista de Benguela, não entramos nessa coisa da escrita à espera de unanimidades. O facto é que, hoje, o comportamento de jovens e adolescentes na escola, generalizando, é bastante preocupante.

O Ministério da Educação tenciona inserir no currículo escolar a disciplina de Direitos Humanos. No entender de um velho colega nestas lides de sociedade civil, “é muito má ideia”. Receia que se venha a banalizar a abordagem, tal como aconteceu com a Educação Moral e Cívica. É de facto grande fiasco a EMC render-se à lei da “gasosa”, em que o aluno suborna para ter boa nota. Alternativa seria, defendeu o colega, criar e capacitar associações de estudantes para o exercício da cidadania activa, e não ficar pelos apontamentos.

Um professor de filosofia, quando andávamos no Puniv em 1996, dizia que a escola era do “Ministério do Ensino”, da educação é que não! Inferíamos da sua indignação a corrosão de valores, da qual a escola é simultaneamente a vítima e a promotora. E a tendência é piorar. Haverá como inverter isso?

Gociante Patissa, Benguela 15 Julho 2010
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