terça-feira, 8 de junho de 2010

Sobre a maka dos "beefs", MCM acusa: «Ultimamente os órgãos de comunicação social têm agitado demais»


Vive o Hip-Hop há 16 anos. É professor de profissão, pratica judo e tem paixão pelo jornalismo. Ulisses da Costa, se preferir MCM, ex-integrante do grupo “Margem Sul”, completou, no passado dia 27/05, 28 anos de idade. Nesta interessante entrevista, fala de quase tudo.

AV-O: Quando fala de música, particulariza logo o hip-hop. Porquê?
MCM: É o género com que me reconheço. Serei MC para toda a vida.
AV-O: Consegue fazer uma breve avaliação do que tem sido o hip-hop desde que nele se envolveu?
MCM: 1997-98 vivia-se a “febre” do hip-hop, o grande período de ascensão. As pessoas começam a ter mais acesso aos órgãos de informação, à Internet, ao material vindo da América. Dá-se o processo a que chamo aculturação. Não foi só em Angola. Deixa-me dizer que, de 1998 a 2002, o Senegal foi dos países de África que apresentou o melhor hip-hop, rappers que até hoje são os mais quentes de França. Ficamos a saber que havia rappers na Coreia, Japão. Muitos angolanos que residiam fora começavam a voltar. Já se falava no terceiro álbum dos SSP e o Esquadrão8 lançava o primeiro álbum.
AV-O: Está satisfeito com aquilo que é o hip-hop hoje?
MCM: De certo modo, não. Porque o hip-hop, como todas as outras culturas, sofreu…
AV-O: Desgaste?
MCM: Desgaste, não chamaria. A palavra seria muito agressiva para mim, que sou dos que não acreditam que o hip-hop morreu. Estive envolvido numa polémica de que um artista, que canta noutro estilo, me veio dizer que o rap em Angola acabou. Isso é um absurdo, não se diz!
AV-O: Que factos sustentam essa sua posição?
MCM: Álbuns. Sabes o que se passou? O rap saiu da rua e profissionalizou-se. Mas é um estilo que, dentro das nossas perspectivas, é de rua. Antes não havia condições e improvisava-se, hoje já há, o que exige um trabalho bem concebido.
AV-O: Há mais assuntos a abordar consigo, mas gostaria de falarmos de um, incontornável: “Margem Sul”.
MCM: “Eu pertenci a este grupo, e com muito orgulho. Até porque, quando lançamos o primeiro CD, conseguimos ir de encontro às nossas expectativas.
AV-O: O que é que esteve na base da sua saída do grupo?
MCM: Saí do “Margem Sul” por problemas internos. Era visível que eu fazia quase tudo, e isso levou à exaustão. Mas o grupo continua.
AVO: Entremos para aquilo que é o ponto da nossa conversa: “beefs” [bifes] no meio artístico.
MCM: “Beefs” fazem parte do movimento hip-hop, mas diria que ultimamente faz parte do mundo das artes. No Brasil, os escritores já começam a se lançar “piadas”, não é? E o “beef” surge disso. Em Portugal, muita gente critica Saramago, que a mim até o género satírico dele chama à atenção. No mundo hip-hop, existe o contrário. Há indivíduos a quem você não fez nada, e criam o tal “beef”, do nada. Há outra coisa: o movimento hip-hop é regido por ideais. Temos normas morais e ideológicas, que seguimos a ferro e fogo.
AV-O: O “beef” é bom ou mau?
MCM: Depende da perspectiva. É mau quando as pessoas saem do lirismo para terem choques directos, envolvendo brigas. Isso é errado. Agora, quando só são palavras, as pessoas metem nas músicas sem ofensas morais, apenas alguma coisa directa, sem ferir sensibilidades dos parentes, até acho isso bom.
AV-O: Dê exemplo de beef que você, no lugar daquele artista, nunca faria?
MCM: O “beef” do Ja Rule com o pessoal da G-Unit foi longe demais. A G-Unit estava fora dos EUA, em concerto na África do Sul. O DJ meteu uma música do Rule, e um dos seguranças da G-Unit partiu a consola do DJ. No meu caso, danço, vibro, se a música for boa, mas não quer dizer que não lhe vou responder.
AV-O: Estes insultos ficam só pelas músicas ou têm contornos à integridade física das pessoas?
MCM: Nalguns sítios. Lembro que aqui, em Benguela, se passou um caso desses. Um jovem foi raptado por causa do “beef”. Começou na música, depois partiram para a arma. Mas acabamos todos por sensibilizá-los e se acabou com isso.
AV-O: Isso foi há muito tempo?
MCM: Há três ou quatro anos.
AV-O: Qual é o bom ou mau contributo prestado pela comunicação social, no que diz respeito ao fenómeno “beefs”?
MCM: Ultimamente, os órgãos de comunicação social têm agitado demais. Ninguém pode fingir que essa conversa de “beefs” não começou com Miguel Neto. Há programas jovens de televisão que deviam ter uma condução mais séria. Agora já foram para intrigas. Estou a me referir do “Jovemania”, por exemplo – acho que aquele espaço do disse e não disse, deixa-se para as rádios, revistas, os tablóides.
AV-O: Porque é que perdoa os jornais e as rádios, e no entanto acha que a televisão não deve fazer? O que é que difere a TV de outros media?
MCM: Refiro-me ao género interventivo directo. A Televisão informa na hora. Se a pessoa estiver irada, vê-se. No jornal depende da frase construída pelo editor. E não se esqueçam que houve confusões lá dentro, que cá fora foram para a briga. O programa do ku-duro também importa-se com o “beef”. As pessoas só querem saber disso.
AV-O: Há quem diga que os “beefs” ajudam na visibilidade do artista. Por este ângulo, seria um contributo positivo à cultura?
MCM: Não é bem assim. Porque acabas por ser um “carona”, te penduras na fama do outro.

Entrevista conduzida por Gociante Patissa para o Boletim "A Voz do Olho", Abril-Maio 2010, Veículo informativo, educativo e cultural da ONG AJS-Associação Juvenil para a Solidariedade, Lobito, Benguela, Angola.
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