domingo, 7 de setembro de 2008

Por que é que a cauda de lagartixa cai? (Fábulas da nossa Terra)

Conta-se que Dona Lebre e Dona Lagartixa eram boas comadres – mas comadres mesmo de verdade…! Trançavam-se o cabelo uma a outra. Estavam tão habituadas a manter as fofocas actualizadas, que, na ausência da Dona Lebre, Dona Lagartixa ficava doente e vice-versa. Mas não há nada melhor do que o tempo e a fome para medir a força das relações.

Certo dia, vinha Dona Lebre de uma aldeia vizinha, ressacada ainda de tanto dançar na festa da noite anterior. Trazia numa mão a felicidade e na outra a carne de vaca para alimentar a família. Mal se aproximou da aldeia, viu uma goiabeira de frutos bem maduros. Para Dona Lebre, toda emancipada, trepar uma goiabeira é coisa mínima. E trepou, deixando a carne ao pé da árvore sobre uma pedra.

Ainda não tinha comido um único fruto, quando ouviu gritos de lá debaixo da árvore:

– Achei não roubei! É minha sortiiiéééé!!!!! – gritou Dona Lagartixa.
– Deve haver uma confusão. A carne é minha, deram-ma na festa – argumentou Dona Lebre.
– Nunca, comadre! – interrompeu Dona Lagartixa – Isso é que a carne não é!!! É que nem penses!
– Por tudo que é mais sagrado. Só parei para provar umas goiabas. E como não dava jeito trepar com a carne, deixei-a ao pé da árvore. Deixe-me dividir um pouco consigo, cara comadre…
– Não dá! Dividir o que achei? Assim perco a minha sorte. Ou levamos o caso ao Rei ou não sei…

Dirigiram-se ambas à ombala do Rei, cada uma convencida de estar a razão do seu lado.
– Ó Rei, – disse Dona Lagartixa – se a carne fosse da comadre Lebre, não teria trepado com ela?

Engasgado, o Rei não teve outra saída senão atribuir a carne à Dona Lagartixa. Esta, feliz por ganhar a causa, saiu disparada com a gula de devorar a carne com os filhotes. Mas, por distracção, deixou a cauda do lado de fora da toca. Nisto, D. Lebre deu conta da cauda da Lagartixa. Agarrou-a e gritou:
– Obá! Achado não é roubado! Achei uma cauda de lagartixa, é minha sorte!
– Pára, pára, pára aí, ó comadre Lebre! – resmungava Dona Lagartixa a pedalar de cabeça para baixo.
– Já não reconheces a minha cauda, comadre Lebre? Isso já é abuso, não te parece?
– Não... eu achei a cauda, comadre Lagartixa…
– Mas como é que vais achar uma coisa que está presa no meu corpo? A comadre só pode estar a querer apanhar-me a pata! Vamos só à ombala do Rei.

Uma vez lá, e ouvidas as duas versões, o Rei já não teve problemas em decidir. E disse:
– Se entrou para a toca, Dona Lagartixa, e deixou a cauda de fora é porque não é sua. Não foi o mesmo com a carne da outra?

Dona Lagartixa ainda tentou ludibriar outra vez, mas o Rei tinha um exemplo claro, e ordenou:
– Dona Lebre, segura o machado e corte a cauda à sua comadre, senão você vai perder a sorte.

Dona Lebre cortou a cauda e, como não precisava de caudas de lagartixa, jogou ao chão, aí mesmo na ombala do Rei. A proprietária recolheu a sua cauda e saiu desesperada à procura de um bom médico cirurgião plástico. É por isso que, quando se dá um golpe, a cauda da lagartixa cai.

Moral da estória: uma amizade de verdade resite à fome, a distância e outras tentações.

Fábula popular Umbundu adaptada por Gociante Patissa para o programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena, Benguela 14/08/08
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5 Deixe o seu comentário:

Anónimo disse...

ola Patissa
passei por ca para saber o seu ponto de vista sobre as "eleicoes" em angola especialmente em benguela. pelos visto e um artigo que esta por se escrever.fico a espera.

li o seu penultimo "post" apesar de ter gostado fique com duvida se nao devias ter deixado no conto tambem uma chamada de atencao ao perigo que corremos quando disconfiamos de todos que nos abracao. a disconfianca meu amigo pode destruir sementes que se bem cuidadas dariao frutos enternos abracos sinceiros existem e devem ser igualmente exaltados.

o conto de hoje e uma licao tipica do egocentrismo e o oportunismo sem pudor que caracterisa o homen que nao tem capazes de ver para alem do agora, aquele homen que atropela tudo e todos para consiguir saciar o seu ego nem que para isso sacrifique a sua consciencia, seus amigos, visinhos e ate sua patria ser for necessario.

lagartixa deste conto e todos auqle sere homen(espero que ainda poder ser chamado assim) que usa mas EU, MEU em detrimento do NOS e NOSSO.

Para terminar gostaria que o Patissa e que poder me responder a seguinte pergunta:

o que e mas nocivo num ser humano o orgulho ou a ganancia?

abraco fraterno, sinceiro e amigo
Kashuna Andre

Soberano Kanyanga disse...

ESTA NOVA VERSÃO ESTÁ O MÁXIMO.
CARO PATISSA, PERMITA QUE REAPROVEITE OS TEUS CONTOS PARA O BOLETIM INFORMATIVO DA SOCIEDADE MINEIRA DE CATOCA.
FICA GARANTIDA A CITAÇÃO DO AUTOR (ADAPTADOR)
AGUARDO ANUÊNCIA.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

A resposta para o Canhanga é SIM. Não teriamos (eu e a cultura) nada a prdr. Agora, humanamt, isso dá-me o dereito de ser um receptor regular do Boletim a q se refere. Abraços

Para o compatriota Gifted, gostaria de me pronunciar com mais propriedade se, ao menos, a natureza da minha ocupação profissional não me confinasse tanto, contrariamente ao q me acontecia enquanto full-time no mundo de ONGs. Não acompanhei mais do q foi possivel nos espaços de antena na TVq, do fundo do meu coração, foi um dos pontos mais maduros da democracia - ao permitir o desfile do pensamento um pouquinho mais livre do q aquilo q nos habituou o mito da cacverna da nossa imprensa pública. Sendo filho de antingo activista político e comissário comunal, nas eleições de 92, tinha eu 14 anos, envolvi-me com toda a paixão de adolescente, distribuindo propaganda, enrouquecendo a voz insultando o "inimigo", sem perder o minimo comício e sentido de discurso. Também registei as pedradas no tecto de luzalite eqto jantavamos. Deram-se depois os confrontos e, amante da justiça e paz, sempre esperei que me explicassem o q era política. Com a morte do meu pai por doença, alguns anos mais tarde, viria confirmar-se a minha total ruptura com a política partidária, optando por exercer minha cidadania activa no mundo de ONGs partindo da fundação de uma com amigos. Nessas eleições, recebi todo bué de telefonemas exigindo explicações de pessoas q me conhecem: 1) No segundo dia da campanha, minha cara apareceu na campanha do PAJOCA, por conta de um artigo no Angodebates (Fev 2008) em jeito de réplica ao discurso culpabilizador contra a abstenção. 2) A convite de um amigo, fui assistir a um encontro em q os partidos politicos representados em Benguela desfilariam os seus programas, sob moderação do Jornal Cruzeiro do Sul e, por ironia, eu era o único sociedade civil, não merecendo por isso menção e, outra vez, a minha cara apareceu entre as caras do PAJOCA e PRD. Tive d dar mais uma explicaçã. Só q, na edição seguinte deu-se sequência e a minha cara foi vista na caixa de mais um partido. Mais telefonemas, mas rótulos de militante activo(contra o qual não me animam mentos negativos, embora pessoalmente não atino). Uns acham q sou educador social, trovador, tradutor, jornalista e "politico" - gozos. Já na última semana, fui obrigado a apagar a mais bela foto da minha objectiva. Estava uma carrinha com bandeira de um partido defronte ao comité provincial de outro, o que, de inicio, julgamos ser provocação, mas que, do lado positivo interpretamos como símbolo de tolerância e política urbana. Mas chamaram-me os ocupantes da viatura, e nem mesmo o argumento de que eu era um "escritor" ajudou a atenuar a foto tirada sem a autorização deles, exigiam. No dia do voto, uma vez serem longas as filas no bairro onde mora a minha ilustre mãe, saimos para o centro da cidad com meu kota, onde votamos confesso que, pela "excesso" de zelo da CNE em obrigar as pessoas votarem no local indicado, esperava q houvesse uma solução técnológica q marcasse o cartão. Fora disso, julgo q deu-se tudo bem, sem o clima volátil de 92. Qto aos resultados, e custe-me o que me tiver de custar minha franqueza, julgo q um equilíbrio ajudaria mais a consolidação democrática por via da confrontação de ideias. Espero q tenha contribuido para o que esperava de mim. Em relação às diferenças entre ganância e orgulho, por eqto pouco ou nada a dizer. Nos contos, felizmente, cho que fizeste o que se quer com a arte: interpretar e sugerir.

Anónimo disse...

obrigado pela resposta
Kashuna Andre

Anónimo disse...

Essa eu me lembro.Béu

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