sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Cão, o Gato e o peixe na grelha

Pelo menos uma vez na vida, o Cão e o Gato tentaram levar uma vida pacífica. É que não se justificava mais – entendiam ambos – a rivalidade, quanto mais não fosse pelo facto de habitarem debaixo do mesmo tecto:
– Vizinho Cão, consegue dizer-me a razão de sermos inimigos?
– Para ser sincero, mano Gato, eis uma pergunta que nunca ninguém me soube explicar! Então, mas porquê a pergunta?
– Bem, não é nada de especial. Mas…
– Epá! Acho melhor te afastares. Ir na tua conversa não significa que me apanhaste a pata, fica já a saber!!!
– Lá estás tu, ó Cão, com a tua parvoíce! Por acaso te faz mal conversarmos?
– Digamos que não.

E a conversa continuou entre inimigos, que aproveitavam bem a saída da dona de casa para as compras:
– Você já imaginou, ó Cão, como temos tanto em comum?
– Será?
– Claro! Veja só: andamos sobre quatro patas, temos cauda, a mesma ama, somos solteiros. Então?
– Estamos juntos mas não estamos misturados, ó Gato!
– Para quê usar estas palavras que nem são tuas sequer?

Tanta era a lata do Gato, que ao Cão faltavam argumentos para não acreditar no novo projecto de paz no lar. Perante tão boas intenções, também já cansado de andar aos murros com o “baixinho miau”, decidiu aceitar o pacto. Surpresa, porém, ficou a dona de casa ao notar que, ao contrário do habitual, o Cão e o Gato já não disputavam a apresentação das boas vindas. «Esses gajos devem ter muita fome», pensou:
– Mas vocês ouviram óbito ou quê?
NÃO – responderam os ex-inimigos.
– Mas não vos parece que há paz a mais nesta casa? Então já não brigam? É como então?
– Bem… temos algo a dizer, avançou o Gato.
– Decidimos acabar com a inimizade de longos anos, cuja origem desconhecemos.
– Têm certeza que é mesmo isto o que querem?
– Sim! – asseguraram.

O tempo passava e melhor se entendiam. A ama só olhava admirada o novo fenómeno, bonito de se apreciar por assim dizer. E sempre que ela saísse, um deles ficava de Oficial-dia. Geralmente, o Cão fazia o papel de protector físico, enquanto o gato era electricista. E num belo dia, enquanto a ama aguardava pelo noivo para um almoço romântico, descobriu ela que algo faltava para os temperos. E:
– Meus amigos, tenho de sair.
– Sim, nossa ama!
– Vocês sabem que nesta casa somos pela responsabilidade.
– Sim senhora! – confirmavam.
– Hoje é vez de quem?
– Do Cão, senhora! – disse o Gato.
– Pois! Meu cãozinho, toma conta da casa e ajuda o Gato.
– Sim. A senhora sabe que sempre fui seu amigo e fiel protector físico.

E dizendo isso, o Cão estendia os braços para mostrar sua mascote de ouro e fingia sacudir poeira no seu fato novo, mais novo até que a gravata.
– Não quero encontrar problemas.
– Sim, senhora. Desde que fizemos o pacto com o Cão, reina tranquilidade – dizia o Gato.

Meia hora depois, com fome e gula o Cão dirige-se ao gato:
– Confrade Gato, tira então um naco do peixe na grelha.
– Caro Cão, não diga isso nem mesmo a brincar.
– Gato, então você acha justo aqui suportar o cheiro do grelhado e estar com fome?
– Não! Roubar é feio e crime.

E nesse puxa e não puxa, a boca do Cão fiacva cada vez mais cheia de água até não aguentar mais. Foi então que pegou na mão do gato, levou-a à grelha beliscando assim boa parte do peixe, o qual comeu num piscar de olhos, enquanto o Gato sofria com a dor da mão queimada.

Ao chegar à casa, a ama reparou a desgraça com o peixe na grelha e chamou ambos para uma conversa dura e rija. O Cão limitou-se a fazer gestos de fino, dizendo que, se ao longo dos anos nunca roubou nada, não seria naquele dia que sujaria a sua reputação por um simples peixe. O Gato, que ainda chorava por causa da queimadura na mão provocada pelo falso amigo, não teve tempo para se defender e foi expulso do lar.

Moral da estória: “muitas vezes o mal vem de quem menos se espera, mas geralmente paga o pobre”.

Adaptado por Gociante Patissa, Julho/07 (publicado no Boletim informativo, educativo e Cultural “A Voz do olho”, propriedade da AJS-Associação Juvenil para a Solidariedade, Lobito, Edição de Setembro/2007)
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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

À guisa de Crónica: Chegamos a mil

Será evento indelével, fá-lo-ei pessoalmente.
Quando amanhã, antes do meio-dia, for pessoalmente fazer o depósito no banco, olhar-me-ão com estranheza, do tipo, «este gajo não bate bem ou quê? Então vem logo depositar [apenas] Kz 600,00 (seiscentos kwanzas)? E eu, fingindo não perceber, vou continuar na minha, tipo nada. Ainda, se fosse permitido, assobiaria. É que eles não são obrigados a saber que o “Consulado do Vazio” conseguiu vender até agora USD 1000,00 (mil dólares norte americanos).

Este valor não inclui ainda as vendas em locais especializados, tais como as tabacarias Grilo (Mercado de Benguela), Mini-Mini (Mercado de Lobito), e as Livrarias Lello (Benguela) e Escolar Editora (Lobito), e a Universidade Católica, instituições que aceitaram amparar o nosso “livrinho”.

Fomos depositando religiosamente em conta bancária específica cada dinheiro das vendas do poemário “Consulado do Vazio”, cujo preço variou entre Kz 500,00 a Kz 650,00. Primeiro, por ocasião do lançamento (26/07/09) no quintal da Rádio Morena, onde vendemos 63 livros, e no Salão do bairro da Santa-Cruz, onde o autor mora desde 1987. Depois, por intermédio de familiares, amigos e membros da AJS, ONG angolana de que o autor é membro e, por último, com ajuda de colegas de serviço.
Angodebates
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domingo, 7 de setembro de 2008

Por que é que a cauda de lagartixa cai? (Fábulas da nossa Terra)

Conta-se que Dona Lebre e Dona Lagartixa eram boas comadres – mas comadres mesmo de verdade…! Trançavam-se o cabelo uma a outra. Estavam tão habituadas a manter as fofocas actualizadas, que, na ausência da Dona Lebre, Dona Lagartixa ficava doente e vice-versa. Mas não há nada melhor do que o tempo e a fome para medir a força das relações.

Certo dia, vinha Dona Lebre de uma aldeia vizinha, ressacada ainda de tanto dançar na festa da noite anterior. Trazia numa mão a felicidade e na outra a carne de vaca para alimentar a família. Mal se aproximou da aldeia, viu uma goiabeira de frutos bem maduros. Para Dona Lebre, toda emancipada, trepar uma goiabeira é coisa mínima. E trepou, deixando a carne ao pé da árvore sobre uma pedra.

Ainda não tinha comido um único fruto, quando ouviu gritos de lá debaixo da árvore:

– Achei não roubei! É minha sortiiiéééé!!!!! – gritou Dona Lagartixa.
– Deve haver uma confusão. A carne é minha, deram-ma na festa – argumentou Dona Lebre.
– Nunca, comadre! – interrompeu Dona Lagartixa – Isso é que a carne não é!!! É que nem penses!
– Por tudo que é mais sagrado. Só parei para provar umas goiabas. E como não dava jeito trepar com a carne, deixei-a ao pé da árvore. Deixe-me dividir um pouco consigo, cara comadre…
– Não dá! Dividir o que achei? Assim perco a minha sorte. Ou levamos o caso ao Rei ou não sei…

Dirigiram-se ambas à ombala do Rei, cada uma convencida de estar a razão do seu lado.
– Ó Rei, – disse Dona Lagartixa – se a carne fosse da comadre Lebre, não teria trepado com ela?

Engasgado, o Rei não teve outra saída senão atribuir a carne à Dona Lagartixa. Esta, feliz por ganhar a causa, saiu disparada com a gula de devorar a carne com os filhotes. Mas, por distracção, deixou a cauda do lado de fora da toca. Nisto, D. Lebre deu conta da cauda da Lagartixa. Agarrou-a e gritou:
– Obá! Achado não é roubado! Achei uma cauda de lagartixa, é minha sorte!
– Pára, pára, pára aí, ó comadre Lebre! – resmungava Dona Lagartixa a pedalar de cabeça para baixo.
– Já não reconheces a minha cauda, comadre Lebre? Isso já é abuso, não te parece?
– Não... eu achei a cauda, comadre Lagartixa…
– Mas como é que vais achar uma coisa que está presa no meu corpo? A comadre só pode estar a querer apanhar-me a pata! Vamos só à ombala do Rei.

Uma vez lá, e ouvidas as duas versões, o Rei já não teve problemas em decidir. E disse:
– Se entrou para a toca, Dona Lagartixa, e deixou a cauda de fora é porque não é sua. Não foi o mesmo com a carne da outra?

Dona Lagartixa ainda tentou ludibriar outra vez, mas o Rei tinha um exemplo claro, e ordenou:
– Dona Lebre, segura o machado e corte a cauda à sua comadre, senão você vai perder a sorte.

Dona Lebre cortou a cauda e, como não precisava de caudas de lagartixa, jogou ao chão, aí mesmo na ombala do Rei. A proprietária recolheu a sua cauda e saiu desesperada à procura de um bom médico cirurgião plástico. É por isso que, quando se dá um golpe, a cauda da lagartixa cai.

Moral da estória: uma amizade de verdade resite à fome, a distância e outras tentações.

Fábula popular Umbundu adaptada por Gociante Patissa para o programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena, Benguela 14/08/08
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A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

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Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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