quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Crónica | A caneta explosiva

Tive a missão de representar Angola, de 17 a 23 de Outubro, na edição deste ano da Feira Internacional do Livro de Frankfurt, capital comercial da Terra de Gutenberg (antes arrolar este na elegia perifrástica do que aquele cujo apelido começa com H). Representar Angola é uma forma convencional de colocar as coisas, sabendo-se que não houve qualquer referendo para sondar a vontade dos demais, que até já vão em número superior a 20 milhões, a fazer fé no recente censo populacional.

A ida resultou de um convite feito à União dos Escritores Angolanos pela Embaixada Alemã em Luanda, tendo o domínio do inglês papel determinante no crivo do Goethe-Institut, que investe na divulgação da imagem do sector editorial no seu país através de conferências e algumas excursões. Este ano foram 22 países representados por escritores, jornalistas, editores, gestores culturais e livreiros.

Para quem um dia presenciou a 26.ª edição da Feira Internacional do Livro de Jerusalém, em 2013, e no mesmo ano a 6.ª Bienal de Jovens Criadores da CPLP, que teve lugar em Salvador da Bahia, Brasil, a de Frankfurt é de uma natureza contrária à noção comum de espaço para vendas promocionais. Ela privilegia os contactos entre profissionais do ramo editorial. Ao público o acesso é só nos dois últimos dias (dos cinco). As feiras são como os safaris; pouco se acha que não tenha já sido pensado, visto, lido. Não posso contudo deixar de elogiar o fabuloso desfile com aura de carnaval, levado a cabo por jovens e adolescentes inspirados em personagens da literatura alemã, que revela uma sociedade comprometida com a sua herança literária.

No aeroporto, despedi-me da colega sul-africana após o jantar chinês. Já estranhava não ter percalços com as autoridades migratórias, algo que sempre ocorre, sabe-se lá por conta de que karma. Na zona de rastreio, tirei dos bolsos o que podia, conforme a ordem. O que não podia deixei-o ficar. Não seria apropriado abrir ali a braguilha sem ser hora de tomar banho nem de fazer amor. Tens mais alguma coisa? Respondi que sim, o meu dinheirinho nos bolsos dos calções jeans que trazia por baixo das calças. É assim que levamos os Dólares. Pronto, aí o agente me leva ao biombo e provo que para além do dinheiro, os bolsos não podiam estar inflamados por conta de mais nada.

Quando ia recolher os meus pertences, um choque. A mochila da máquina fotográfica tinha acusado positivo na detecção de explosivos. Perguntam se fui eu quem fez a mala. E eu que não sou casado… Isso acontece algumas vezes por dia, diz o simpático agente, deixa-me chamar a polícia. E num instante, duas torres de espingarda ao peito. Há que abrir a mochila, retirar a máquina, as lentes, o iPad. O novo teste? Continua positivo.

Ali começa o revirar do passaporte, que não tem nada demais, só o visto de Israel na primeira página. Faltam 40 minutos para o início de embarque. Até que, por fim, desvendava-se o mistério. A caneta pen-drive, de tão multiforme, tem também um ponteiro laser alimentado à pilha, o que a faz potencialmente explosiva. Ufa!
Gociante Patissa, Katombela, 10 Novembro 2016 | 
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