quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

[Oficina] Crónica | Girabola weza mu Saurimo (*)

Texto de Guilson Silvano Saxingo
Saurimo, 23.02.2016
Muitos foram os esforços das autoridades locais e agentes desportivos que lutaram e labutaram dia após dia para acontecer o tão esperado e cobiçado Girabola, que há 23 anos por cá não acontecia! Na última jornada da "segundona", o centro do Leste vibrou, festejou e viu o sonho feito realidade.

Barracas aqui e acolá, quase todos automobilistas, motociclistas, velocípedes e aqueles a quem os pés eram únicos escravos que os possibilitavam ver o céu! Abastecimento grátis, Cuca à metade do preço habitual, barris de garrafas ensanguentadas ao dispor dos jovens cegos e corrompidos… pelo álcool. Começou a festa… 

96 dias e noites, o sol bravo e bonito raiou. Logo nas primeiras horas do dia, começou a desordem organizada. Todavia, às sete da manhã saía eu de rosto envergonhado a caminho da capela que dista uns poucos quilómetros da minha cabana. Logo à porta, as crianças correram para abraçar o indigno servo, pois foi o primeiro dia de catequese naquele ano. Quebramos e matamos saudades com um bom sorriso. Quando ministrava a catequese apareceu-me uma menina neófita, rabugenta e atrevida, disse: “Catequista tens que me aguentar e se dar bem comigo!” Inquieto e pávido diante do carácter da menina, retorqui: “Filha fique calma, vou trabalhar convosco e terei de suportar e ter boa relação com todos, sem excepção”.

Peguei nas minhas "imbambas" de regresso a casa. Nisto, deparo-me com grupo de manifestantes políticos com cores e rostos dos seus líderes estampados nas T-sshirts, bonés e panfletos! Mas algo mais chamou-me a atenção. Reparei que havia arroz e massa mistos, a manifestarem. Ou seja, dois partidos "políticos" com ideologias diferentes. Dum lado um sekulu, e doutro, um novato, juntos e unidos numa autêntica passeata. Impressionante!...

A partir de uma hora da tarde muitas cabeças, troncos e membros dirigiam-se ao estádio das mangueiras (que um dia antes da partida esteve em reabilitação). E como não gosto que me contem, consegui "trezentos pica" para comprar o ingresso, que já não havia. Fui salvo por um kandengue que revendeu o seu a quatrocentos pica. Fui suportar a insuportável "bicha" que já nem no tempo de PAM (**) era assim. Sujeitei-me aos empurrões até estar na bancada barata do estádio. De facto, aquilo ficou repleto de pessoas ávidas de ver a primeira partida da maior festa do futebol angolano! Aposto que os os jovens da ponta da língua do sec. XX jamais viram!

Começou a partida, os cantos ressoaram os quatro cantos do campo, que 28 minutos depois do apito inicial, a formação da casa inaugurou o placard! Golo festejado de todas as maneiras, que até o meu vizinho pedia a reposição do golo, acreditando que fosse uma transmissão televisiva. Coitado! Não está habituado!, exclamei baixinho!...

O jogo prosseguiu, com outras tantas cenas que ocorriam, desde a invasão dos adeptos habituados a favores, as dignas mamãs zungueiras deambulando com os seus negócios, ou as moças aparecedoras desfilando irritantemente por todo o lado, exibindo as mabubas. E no final, o resultado ditou: Progresso do Nagrelha 1-2 Progresso do Bikuku.

Guilson Silvano Saxingo (angolano, nasceu na Província da Lunda Norte (1994). Actualmente a residir na cidade de Saurimo, é estudante de Direito no Instituto Superior Politécnico Lusíada da Lunda Sul e membro do movimento Lev´Arte)
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(*) Na língua Cokwe, do leste de Angola, quer dizer O Girabola chegou ao Saurimo
(**) Programa Alimentar Mundial (organismo humanitário das Nações Unidas)
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Guilson Silvano Saxingo (angolano, nasceu na Província da Lunda Norte (1994). Actualmente a residir na cidade de Saurimo, é estudante de Direito no Instituto Superior Politécnico Lusíada da Lunda Sul e membro do movimento Lev´Arte)
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Nota do Blog Angodebates: No ano em que completa o 10.º aniversário, o nosso Blog lançou um desafio de crescer junto com os seus leitores, abrindo para o efeito uma oficina para a divulgação de contos, crónicas e poesia de autores com ou sem livros. Como é natural, teremos colaboradores principiantes, pelo que lá onde for necessário, a gestão editorial do Blog fará ou sugerirá arranjo. O que esperamos é no futuro olhar para o primeiro texto de cada colaborador e festejarmos o progresso que for alcançando.
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