quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Crónica | Nós e a coisificação do outro no lugar do debate

Precisava urgentemente de um computador portátil. O meu, a caminho de quatro anos, fartava-se de emperrar. Já na aloja, chamou-me a atenção um computador, pela benevolência do preço, poupança superior a trinta mil kwanzas, ainda mais em tempos de crise. Com alguma sorte, fui a tempo de o não comprar. O rótulo dizia made in Angola. É que se a pessoa leva em conta a qualidade do nosso ensino (ou a falta dela), do ponto de vista do rigor, apostar na fiabilidade de determinados produtos “nossos” leva a pensar duas vezes. É um voo complexo de embarcar. Afro-pessimismo?

Não se trata propriamente de amar mais ou menos a pátria. Trata-se, isso sim, de assumir os defeitos que estamos com eles. Escusado é falar do ainda débil e não representativo sistema de controlo de qualidade. Já se diz que o primeiro passo para resolver um problema é assumir a sua existência. Se negamos, adiamos, e o mal cresce.

Sou dos que alimentam alguma “inveja positiva” relativamente àqueles que tiveram oportunidade de se formar no exterior do país. Falo naturalmente de instituições com boa reputação pela consistência. Como lá chegar daria outro texto. Que tal vai o nosso ensino universitário? O desafio é grande, tanto mais que temos professores licenciados nos cursos de licenciatura. Então devíamos parar? Claro que não! O país precisa de aproveitar os recursos que tem, potenciando-os de mãos em serviço, não cruzadas.

Até lá, há que aproveitar de forma transversal momentos de enriquecer a cultura geral, tirando proveito da imprensa convencional e das novas tecnologias de informação e comunicação. E por falar nisso, dentro da fatia de contributo social que lhes cabe, a TPA e a TV Zimbo têm na sua grelha de programação espaços de partilha de ideias com um formato híbrido, entre o debate e a mesa-redonda, se quisermos. E os intervenientes?

Ora, já alguém repugnou a tendência da bipolarização, tanto das visões dos convidados, como o debate pós-programa nas redes sociais, tendência que taxa a coisa entre os pró e os anti-governo. Mas a rotulação, que agora assume um nível mais mediático, não será na verdade o mesmo espectro que coarcta e não sabe diferenciar adversário de inimigo no dia-a-dia? Ainda bem que já se assumiu a necessidade de combater a intolerância.

Gostaria de chamar à liça outro mal, o da megalomania. É natural que como cidadão, algumas vezes me simpatizo mais com a ideia defendida por um do que pelo outro, mas só posso esperar de todos elevação e contenção na forma. É com alguma desilusão que “engolimos” alguns deslizes, a título de exemplo, de três compatriotas formados na Europa: o jurista João Pinto, o sociólogo João Paulo Ganga e o jurista Juvenis Paulo.

Depois de “ordenar” na TV Zimbo ao académico Fonseca que lesse mais e que os livros não eram para se guardar em casa, Ganga não se coibiu de esta semana usar do mesmo tom pouco cortês e afirmar que o seu contendor estava a delirar. Já no debate de ontem na TPA, disse Juvenis, no alto do seu podium em relação ao colega de painel e mais-velho: "temos de dar prioridade a licenciados". Do jurista Pinto já se sabe o que vem …

Como diria Graça Machel, «temos de formar jovens que saibam ter o sentido de humildade. Os nossos jovens, hoje, saem "muito doutores"; doutores disso, daquilo.»
Gociante Patissa. Katombela, 10 Dezembro 2015
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