terça-feira, 14 de julho de 2015

Da série visitando o baú | O SOLDADOR QUE O INGLÊS NÃO ME DEIXOU SER


A meio do curso de pedreiro, em 1997, o meu irmão Amós comprou uma Canon automática compacta a rolo, com o advento da fotografia colorida e as lojas de vietnamitas. Voltava ao ganha-pão de retratista ambulante, no qual me iniciei em 1993, aos 15 anos, como aprendiz na rudimentar Foto Kodak do bairro Santa Cruz, Lobito.

No início de 1998, no INEFOP (Instituto Nacional do Emprego e Formação Profissional), houve inscrições para a Sonamet (Sociedade Nacional de Metalurgia), de gestão francesa, estaleiro na iminência de abrir. Havia rumores de fabulosos salários. O exame de português correu-me de feição, já o de matemática foi para esquecer.

Por sorte, rasurei o enunciado e pedi outro, curiosamente um em que o formador-observador (Avelino Kalupeteka) exercitava. Com cinco valores (alheios) a matemática e 15 a português, safei-me. Apenas 74 sobreviveram aos testes, de um conjunto superior a 300 candidatos a caldeireiros e soldadores. Na etapa seguinte, só 38 sobreviveram ao crivo da entrevista. Eu estava quase apurado, quase porque o nome na lista veio Domingos [e não Daniel] Gociante Patissa. Bastou exibir o BI para ficar com a vaga.

Mas… passavam os meses e nunca mais chamavam, numa fase em que o negócio de retratista caminhava para a falência, tal era a proliferação de “foteiros”. O tão esperado arranque do curso em 1998 trouxe uma desilusão: de subsídio de formação, ficamos pelos USD 20, menos cinco do que no curso de pedreiro. De azar em azar, o curso, programado para seis meses, viria a ser encurtado para a metade. Fui um dos devolvidos ao desemprego por fraco rendimento em Agosto.

Entretanto, dois meses depois, a empresa readmitiria ex-formandos (com noções elementares de inglês) para ajudantes de angolanos, nigerianos, filipinos, paquistaneses e indianos. O maior domínio do inglês, no meu caso, acabou sendo um estorvo. Fui usado como intérprete do superintendente de soldadura, que não sabia português. Outros ajudantes voltavam ao curso e progrediam, menos eu e o vencimento. Trabalhador n.º 20, atendia no contentor que fornecia material consumível aos soldadores (ou puxava cabos e apanhava beatas de eléctrodos). Nas horas vagas, escrevia provérbios, sátiras e parábolas em superfícies de metal e na porta do WC.

Não sendo tudo mau, o chefe permitia-me ausências prolongadas, conquanto me apresentasse na hora de entrada, na hora das refeições e na hora de saída. Com tal brecha, dediquei o poder do meu génio inconformado na legalização da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade), ONG angolana com sede no Lobito, que brotou em 1999 dos balanço e perpectivas que faço a cada 17 de Dezembro, data do meu nascimento, daí ser o marco do aniversário da instituição também. A Sonamet terminou o meu contrato volvidos 22 meses, em Agosto de 2000.

Finalmente livre do meu pior emprego de sempre, firmava lugar no sector da sociedade civil, escola que muito contribuiu para o amadurecimento da consciência cidadã e permitiria exercer jornalismo freelance (disso falarei mais tarde). E em 2001, voltei para a escola para concluir o ensino médio, o que ocorreu em 2002.

Gociante Patissa, 14 Julho 2015
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