terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Crónica| Desafiando o evangelho a olhar para a cidadania

Dos tempos em que frequentei o grupo coral infanto-juvenil da IESA (Igreja Evangélica Sinodal em Angola), isto entre 1989-1994, salvo erro, fica-me a agradável lembrança do sentido de rigor criativo dos hinos.


Colhidos umas vezes pela D. Teresa, missionária suíça em Benguela, ou mesmo de forma artesanal com radiocassetes, os hinos, fossem eles mais suaves ou mais ritmados, eram enviados para aprovação à direcção em Kalukembe, só podendo depois da devida homologação ser difundidos pela extensa congregação e com ajuda também da Rádio Transmundial Suazilândia.

Isolando o lado do vínculo e do controlo, realço o aspecto da honestidade intelectual, pois havia mesmo esta preocupação ligada à criação, ao princípio da originalidade, mesmo que a composição tivesse de revisitar trechos bíblicos. Daí que me ocorra uma vontade enorme de desligar o som toda a vez que oiço qualquer coisa revestida de parasitismo, neste cada vez mais mercantil universo "gospel".

Intriga-me, a título de exemplo, notar que o grupo Estrelinhas D'alva, do Huambo, promova como sua música de marca a que eles intitulam de "tocou-me", que mais não é do que umas palavras em português sobre a base instrumental de "Stuck on you", clássico de Lionel Richie. Terá ele autorizado?

Outro pastor da IECA (Igreja Evangélica Congregacional em Angola) gravou um CD com suas filhinhas, mas os temas são apenas uma versão mais lenta e muito distante da estética original com que há 20 anos tais louvores foram criados por fiéis da IESA.

Outro exemplo, e fico feliz que não tenha vingado, topei-o por volta de 2006 em plena sessão de autógrafos numa das rádios de Benguela, que acolhia um grupo (vindo de Luanda) de jovens ligados à Igreja Universal, que aparentemente cuidou de se demarcar do projecto (via-se o corretor sobre o nome da igreja na capa) intitulado "Talentos", mas que se resumia a vocalizar louvores sobre temas bem conhecidos, entre os quais "My heart will go on", de Celine Dion. O coordenador da iniciativa (hoje um promissor apresentador na Tv Zimbo) preferiu não dizer palavra alguma quando o confrontei com o contrassenso de uma descoberta de talentos optar pela boleia de algo já sobejamente consumido, quando era suposto mostrar o seu poder criativo.

Não seria melhor pregar o evangelho com fé mas também com honestidade intelectual? De repente pensei que a conversão podia muito bem caminhar com a educação, através de exemplos de índole moral e cidadania.

Gociante Patissa, Benguela, 23.12.2014
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