domingo, 8 de setembro de 2013

Turismo interno – VISITAR A COMUNA DA KALAHANGA, 23 ANOS DEPOIS


“Como sempre bem informado, Veremos identificou a comuna da Kalahanga como área de intervenção. Para muitos, tratava-se de opção inexequível, atendendo que a Kalahanga, apesar de pertencer ao município da Baía Farta, dista um bom bocado da capital da província, figurando no mapa das consideradas zonas vermelhas. E os procedimentos da OCHA eram irredutíveis: nenhuma agência internacional podia frequentar zonas de elevado risco de minas.” (GP, in «Não Tem Pernas o Tempo», UEA 2013)


Na verdade, Kalahanga, cujo nome poderá advir da provável abundância de “olohanga” (galinhas do mato ou de Angola), e que dista aproximadamente 50 km a contar do desvio, faz parte da minha história familiar, tendo lá passado as férias escolares em 1990. Conforme me foi hoje dito pelas autoridades locais, Víctor Manuel Patissa (1946-2001) foi na história daquela localidade o segundo Comissário Municipal, designação que evoluiu para Administrador Comunal na transição para a segunda república, ainda durante o seu mandato. Foi uma época complexa, quando o trabalho do governante compreendia essencialmente a mobilização ideológica da população (partido único) e velar pela defesa do território face aos riscos da guerrilha. As deslocações à Kalahanga exigiam a emissão de guias de marcha, em função do contexto dactilografadas em nossa casa, no Lobito. Constituíam meios de transporte os camiões de lenha e carvão. Foi a bordo de um destes camiões que o Administrador foi certa vez emboscado, tendo escapado com vida. Enquanto seguiam, ficaram comovidos pelo grito de socorro de alguns homens que exibiam bidons vazios, do que se presumia sinal da falta de combustível ou água de eventual camião naquele perímetro. Foi só parar para cair no engodo. A comitiva ficou expropriada dos mantimentos, inclusive do armamento escondido no assento do motorista. Deviam ser bandidos dedicados ao roubo de gado. 
A memória que guardava do lugar era de um distante deserto, banhado pelo rio kupololo, muito frio no cacimbo, terra de gente dada à pastorícia e preservação à risca de rituais de iniciação (“okufekãlã” ou “efiko”, feminina, e “evamba”, masculina) com predominância de dois subgrupos étnicos, Vakwisi e Vakwandu, parecidos aos olhos do visitante quanto à língua e forma de vestir, mas que mantinham antagonismos entre si, numa espécie de exclusão baseada em castas. Fazendo fé em relatos na década de 1990 colhidos, se um homem mukwandu se envolvesse com mulher Mukwisi, teria de ser lavado em sangue de cabrito, dado o alegado baixo status da tribo dela. No exercício da autoridade, um tractor, de carroçaria sem molas, era o carro de luxo da administração comunal. 
Como é óbvio, não me cabe a mim fazer avaliação do desempenho do meu próprio pai, mas não se lhe pode negar o facto de ser carismático, como aliás se revelara na década de 1980 nas comunas da Chila, município do Bocoio, e Equimina, município da Baía Farta, província de Benguela. 
Soube que, pelo menos uma vez por semana, um autocarro garante a ligação entre o litoral e a Kalahanga, troço completamente em picada, mas o solo é seguro, apesar de alguns trechos arenosos, outros com pedregulho. Uma hora e meia para cinquenta quilómetros não é o pior do mundo.
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