segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Conto: Há muito jacaré por aí (fábulas da nossa terra)

Quis o destino que a família Macaco habitasse numa árvore na margem do rio Catumbela, onde seria fácil cuidar da higiene e a comida abundava.

Estava o Sr. Macaco a fazer a barba, numa bela manhã, quando recebeu uma visita muito animada:
- Bom dia, caro Macaco! – saudou eufórico o Jacaré – Concluí que temos de ser amigos.
- Estás maluco ou quê? – retorquiu o Macaco – Somos vizinhos e isso BASTA!
- Está aí um ponto que tenho de discordar contigo, Sr. Macaco…
- Mas discordar como ó Jacaré? – interrompeu – Se tu és incapaz de trepar a mais baixa das árvores, que amigo hei-de ser para ti, eu que mal sei nadar? – refilou o Sr. Macaco.

A troca de argumentos continuou. E como era já meio-dia, o Sr. Macaco chegou até a pensar que tudo não passava de truques do Jacaré só para «patar» o almoço da família Macaco.

- Não vale a pena! Não é possível juntar o que a natureza quer separado – disse o anfitrião.
- Não concordo, Macaco! Não é justo culpares a natureza, quando o que falta é vontade. Ao menos tente! Eu fico na água, tu na árvore, e construímos uma amizade forte como a vida – propôs o Jacaré.

Nasceu ali mesmo o pacto da amizade. Passavam-se os dias e fortalecia-se a amizade. E num desses dias, surgiu o Jacaré com o mesmo entusiasmo e uma proposta na manga:
- Amigo Macaco, é já tempo de conheceres a nossa residência.
- Não sei se é boa a ideia, amigo Jacaré. Para mim estava melhor assim: tu lá e nós cá.
- Macaco, Macaco, não é possível negar-nos esse privilégio. Ao menos tente! A minha casa fica lá naquela pedra, ao meio do rio, e levo-te às costas. Como vês, é de fácil acesso.
- E o Macaco aceita. Pesava-lhe a consciência desagradar um amigo.

Chegados no meio do rio, vem a surpresa:
- Bem, Macaco, sempre achei que entre amigos não deve haver segredos… A verdade é que a minha mãe está gravemente doente e o único remédio que a pode salvar é coração de Macaco. Foi por isso que te trouxe cá… E sinto-me, como bom amigo, na obrigação de contar-te.
- Ai ééééé!? – Exclamou o Macaco numa pausa de um minuto – Só isso? Que falasses mais cedo! É que agora estou sem coração por uma questão de boas maneiras. Porque nós, macacos, quando levamos o coração brincamos muito mal em casa alheia; pulamos p’ra cá e p’ra lá… e mesmo você e a ilustre família não iriam gostar. Agora mesmo, temos de voltar à árvore buscar o coração. RÁPIDO!
- Juras, Macaco?
- Ainda duvidas? Juro por mim e pela vida da “nossa mãe”, que pode morrer se nos atrasarmos.

O Jacaré dá meia volta e regressa em alta velocidade. Mal chegam, o Sr. Macaco pula e grita:
- Já viste um animal sem coração? MATUMBO! Eu é que bruxei a tua mãe, p’ra me matares?

O Jacaré perdia um amigo e a mãe no mesmo dia. O Sr. Macaco salvou-se graças à inteligência na hora do perigo. Por isso, em Umbundu, macaco chama-se “Sima”. “Sima wasima olondunge vio’yovola”.

Moral da estória: “sê prudente. Nunca se sabe, afinal, o que se esconde no peito de quem te abraça”).

Adaptado para o programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena, por Gociante Patissa (ideia original de autor desconhecido)
Share:

9 Deixe o seu comentário:

Soberano Kanyanga disse...

Mano,
Ainda não chegou a encomenda, mas continuo a aguardar. Sabes como são as coisas. Lentidão. Vou entrar em contacto com o Mulaza, Director do Cruzeiro para saber se já recebeu do Lilas Orlov.
Um abraço

Anónimo disse...

ADOREEEEEEEEIIIIIIIIII!!!!
Bjs
Dulce

Soberano Kanyanga disse...

Dizer que adorei esta obra prima é muito pouco. Faltam-me adjectivos para qualificar.

Sima wa sima walinga nhe?

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Tradução que se impõe: Sima wasima olondunge vio'yovola = o macaco teve um raciocínio que o salvou

kandanda disse...

Vagueando pela noite na net em caminhos de Angola, terra mãe que autorizou a minha natividade, dou com este conto extraordinário da génese do saber dos mais velhos urdido pela existência no amadurecido do erudição feita de tudo e do nada que a vida lhes reservou e que faz a gnose das suas gentes. Amigo, passa mais contos desta lavra porque eles são importantes para as gentes d’hoje. Obrigado.
Kandanda

Anónimo disse...

Interessante. Jacaré é uma palavra indígena, da língua Tupi. Pensava que era um regionalismo apenas brasileiro - só usado no Brasil.

Etimologia (Houaiss)
tupi yaka're 'nome comum a vários répteis crocodilianos'; a denominação indígena é de valor totêmico; segundo Teodoro Sampaio, o voc. tupi significa lit. 'aquele que é torto ou sinuoso';

Anónimo disse...

SAUDAÇÕES AMIGAS E COMPATRIOTAS,
Fiquei maravilhado com o que aqui encontrei. PARABÉNS! No meu blogue publiquei hoje algo sobre o lançamento de SEXORSCISMO , DO escritor benguelense Martinho Bangula. Gostava de poder inserir a foto dele ou da capa do livro. Será que podem ajudar-me? Grato pela atenção. Ao vosso dispor,
Carlos Pereira

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Ao amigo Carlos Pereira, saudações! Curiosamente foi com a minha canon digital que se tirou a foto do autor que aparece no verso da capa e, curiosamente, foi a minha objectiva que "cobriu" a sessão de lançamento do livro "Sexorcismo" de Martinho Bangula. Só preciso contactá-lo em dois tempos (para lhe comunicar do contributo que se pretende prestar à divulgação do trabalho dele e, também, pedir anuência pela cedência das fotos. Só uma makazita: é que precisaria para o efeito, amigo Carlos, do seu e-mail para lhe enviar em anexo o file. Abraços

Unknown disse...

Muito Boa!!

A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

Publicações arquivadas